sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Os Filipes. António Borges Coelho. «Antes de entrar na cidade, o monarca mandou degolar o doutor Pedro Alpoim, lente da Universidade de Coimbra, preso na abortada fuga de dom António»

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Cortes de Tomar
«(…) O primeiro orador, o filipino António Pinheiro, bispo de Leiria, pediu um perdão geral para todos os que, enganados, tomaram o partido de dom António. Falou seguidamente o doutor Damião de Aguiar, novamente vereador de Lisboa e agora do Conselho do Rei e seu desembargador do Paço. A 18 de Abril era afixado, na portaria do convento de Tomar, o édito de perdão às pessoas que tinham tomado partido pelo rei dom António. Do perdão exceptuavam-se, expressamente, além do Prior do Crato, trinta e dois nobres e fidalgos, entre eles o conde de Vimioso e seu tio, bispo da Guarda, os Meneses, Duarte Lemos, senhor da Trofa, Febo Moniz, ex-vereador da câmara de Lisboa, António Gonçalves Câmara, e dezasseis clérigos, designadamente cinco dominicanos e o frade jerónimo frei Heitor Pinto. Houve muitos mais excluídos, pelo menos 18 em Chaves e 24 em Bragança.
As Cortes de 1581 consagraram o chamado Estatuto de Tomar. Filipe I manteria os foros, as liberdades e os privilégios de Portugal. As Cortes, a assembleia magna dos três Estados de Portugal, deveriam realizar-se no reino. Os cargos civis, militares, eclesiásticos, as comendas deveriam ser usufruídas por portugueses, mas não admitisse nos ofícios da justiça e da fazenda os cristãos-novos. A direcção das fortalezas de África, da Índia e do Brasil ficariam nas mãos de nacionais e também a sua navegação. A língua seria a portuguesa, as moedas de ouro e prata seriam lavradas em Portugal e com as suas armas. Filipe deveria retirar as guarnições militares espanholas das praças e fortalezas do reino. O senhorio de vilas e cidades permaneceria só em mãos portuguesas. Em Lisboa deveria residir o rei ou um membro da família real. Se nomeasse Governadores, escolheria portugueses. Criasse um Conselho de Portugal, constituído só por portugueses, para o acompanharem na direcção dos negócios do reino.
Para atrair, de imediato, as boas graças dos novos governados, Filipe I abriu os portos secos, isto é, aboliu as alfândegas das vilas fronteiriças, incrementando o comércio entre Portugal e Castela; e tomou medidas imediatas para o abastecimento de Lisboa e do país. O Estatuto de Tomar representou o triunfo dos políticos, dos portugueses dispostos a retirar o maior benefício possível da união, e dos castelhanos, convencidos de que o reino se seguraria mais facilmente pela negociação que pela força. Nas paredes do salão do convento de Cristo em Tomar estava a inscrição: aqui está, Hispânia, o descanso certo de teus trabalhos, aqui ambos os reinos dão as mãos em paz. Os negociadores portugueses e castelhanos encontravam-se do mesmo lado, o da legitimidade jurídica e política de Filipe I. E o acordo permitia aos primeiros a defesa das leis e da língua nacional e também limpar a honra e desarmar a resistência do povo. As cortes correram bem mas a tensão que lavrava no reino não poupou a própria vila de Tomar. A 30 de Abril, presentes ainda na vila Filipe I e a sua Corte, rebentou uma desordem provocada por quatro soldados castelhanos. Cem negros, com pedras e lanças, enfrentaram os soldados.

Filipe I (II) em Lisboa
Antes de entrar na cidade, o monarca mandou degolar o doutor Pedro Alpoim, lente da Universidade de Coimbra, preso na abortada fuga de dom António. A morte do professor provocou grande escândalo e foi chorada por todo o povo. A 1 de Junho Filipe saiu de Tomar. Veio festejado, mais por força que por vontade. Passou pela quinta da Cardiga, magnífica propriedade da Ordem de Cristo, por Santarém, Almeirim, Vila Franca, Alhandra. Vinha na galé real, seguida por 11 galés, bergantins e barcas. Os remadores tiraram as camisas e ficaram apenas com uns calções de pano..., são cerca de trezentos, todos de barba e cabelo rapado, escrevia o monarca à filha Isabel Clara Eugénia. Ao passar defronte do Chafariz dos Cavalos, a artilharia dos navios começou a disparar. A galé real continuou até à Ribeira e só parou na Boavista. Como as obras do Paço não estavam prontas, foi dormir a Almada. De todas as janelas [do castelo de Almada] vê-se o rio e Lisboa e as naus e, muitas vezes, galeras. Num quarto alto, onde escrevo, vê-se, de uma janela, Lisboa inteira, e de outra janela, vê-se Belém e muito mais abaixo e todos os navios que entram e saem por ele.
A 29 de Junho, dia de S. Pedro e da entrada oficial, o rei embarcou em Almada na galé real, conduzida pelo marquês de Santa Cruz. O casco, os mastros, as enxárcias e os remos estavam pintados de verde e a galé decorada com as armas de Castela que abraçam como cabeça os demais reinos. Dispararam os arcabuzes, a artilharia do mar e a do castelo». In António Borges Coelho, Os Filipes, Editorial Caminho, 2015, ISBN 978-972-212-740-0.

Cortesia de Caminho/JDACT