Modelos da expansão portuguesa quatrocentista
Fases e modelos
«(…) Encarando as coisas por outro ângulo, durante o século XV ensaiaram-se
os modelos que a expansão portuguesa nos séculos XVI e XVII haveria de percorrer.
O primeiro modelo encontrou na conquista e na conservação de Ceuta o pólo
aglutinador. À primeira vista parece inserir-se nos velhos passos da
reconquista: conquista de terras, de homens e de riquezas. Mas a novidade está
no papel central que, para a manutenção da praça e a riqueza dos seus capitães,
tem a navegação marítima. Ceuta torna-se um ninho de corsários e de
depredadores dos campos norte-marroquinos. A tentativa de conquista das
Canárias e as primeiras viagens para lá do Bojador inserem-se claramente neste
ciclo. Estamos no essencial em operações de conquista, de saque, de captura e
resgate de cativos. Na guerra marítima antimuçulmana anterior à conquista de
Ceuta, a costa algarvia desempenhou o papel principal. Agora é legítimo falar
num triângulo cuja base é o Algarve, particularmente Lagos, Faro e Tavira, e de
que Ceuta é o vértice. Estas operações de corso despertaram a cobiça dos
infantes Henrique e Pedro, que obtiveram para si o quinto régio das presas
capturadas pelos seus corsários.
O segundo caminho rasga-se com a colonização da Madeira, a tentativa de
conquista e colonização das Canárias e mais tardiamente a colonização dos
Açores. Inicialmente a colonização assentou em terra livre com o só encargo da
dízima a Deus, organizada na pequena exploração camponesa ou na média e grande
com trabalho assalariado dos braceiros. Mas rapidamente o açúcar se isolou à
frente dos cereais e do vinho, açúcar que dará lugar às grandes plantações
escravocratas de S. Tomé e do Brasil.
O terceiro caminho definiu-se com a feitoria e o castelo de Arguim e
com a feitoria e castelo de S. Jorge da Mina. Foi criada uma organização
comercial, protegida por fortalezas erguidas em ilhas facilmente defensáveis e
protegidas pelo mar dominado pelos navios portugueses, organização que usava o
exclusivo ou monopólio dos artigos comercializados. Em Arguim e na Mina dominam
o ouro e os escravos. Na Índia e em Malaca as especiarias, as pedras preciosas,
os têxteis e móveis asiáticos e ainda o ouro e os escravos.
Sentidos da História
Desde Heródoto que a História pretende ser exemplar, dar lições.
Esquecemos as palavras de Hegel:
No tumulto dos acontecimentos do mundo, uma máxima geral socorre-nos
tão pouco como a recordação das situações análogas que puderam produzir-se no
passado porque uma pálida lembrança é sem força na tempestade que sopra sobre o
presente; não tem qualquer poder sobre o mundo livre e vivo da actualidade.
E porque a História não desiste de tirar lições, desde os primeiros
passos, quiseram os políticos controlar o retrato que dos acontecimentos e dos
homens traçam os que escrevem História. Tirar lições é de certo modo acreditar
que a História tem sentido ou sentidos e até, que faz sentido apontar os culpados
e os heróis. Mas no movimento social não acontece muitas vezes as gentes
empurrarem numa direcção e as coisas rumarem num sentido inverso? Se o rei Manuel
I tivesse apoiado a maioria dos seus conselheiros que se opunham à navegação
para a Índia, acaso ficaria por abrir a Rota do Cabo? Não é nada provável que
tal acontecesse. Faz sentido falar em causa, em razão, em explicação mesmo sabendo
que a causa é a nossa ideia do movimento das coisas?
Enquanto houver homens racionais perseguir-nos-ão os porquês, as
razões, com ou sem resposta, mesmo com respostas que envelhecem ou se revelaram
erradas. Pretendo ser dos que dão testemunho da máxima de Leibniz nos Novos
Ensaios sobre o Entendimento Humano:
Falar contra a razão é falar contra a verdade..., é, falar contra si
mesmo.
No tabuleiro das ideias, umas pedras apoucam a vontade dos homens
enquanto outras a exaltam a extremos absurdos. E por vezes todos julgamos
sentir que os nossos passos se projectam nos passos de Édipo, rei de Tebas. Quanto
mais fugimos da tempestade, mais depressa mergulhamos na sua fúria. Mas logo a
seguir erguem-se vozes explicando que os nossos antepassados navegam movidos
por espírito de cruzada (algum houve, mas muitas dessas vozes desejavam que
essa cruzada prevalecesse no tempo presente) ou por puro desejo de saber, de
conhecer o outro, de se ver no espelho do outro». In António Borges Coelho,
Clérigos, Mercadores, Judeus e Fidalgos, Questionar a História, Colecção
Universitária, Editorial Caminho, 1994, ISBN 972-21-0957-X.
Cortesia da
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