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Vaticano.
19 de Abril de 2005
«(…) Nunca lhe havia passado pela
cabeça que se podia ter precipitado até ao momento em que o disse. Rafael
podia, simplesmente, não sentir nada por ela. E o facto de o ver dar mais um
gole na cerveja, sem proferir uma palavra, fazia-a sentir cada vez mais
pequena, como uma menina que confessara o seu amor e levara a primeira tampa. Não
verbal, neste caso, o que ainda custava mais. Teria Sarah compreendido tudo
mal? Teria, deliberadamente, deturpado os sinais? Nem pensar. Era inteligente,
bem-sucedida, editora de política internacional do The Times, autora de dois
livros conceituados. Teria sido iludida pelos sentimentos? Agora era tarde, não
podia fazer nada. Revelara-se. Tinha de se manter firme. Até ao fim. Não dizes
nada, Rafael? Mais um gole de cerveja. Deixas-me dizer isto tudo e não dizes
nada? Não me paras? Não me colocas no meu devido lugar?
Rafael bem queria falar, e falou,
mas Sarah já não o ouviu. Saíra esbaforida depois de ter batido uma nota de dez
libras em cima da mesa, para pagar a Evian que mal bebera. Ainda bem que
tivemos esta convers, declarou Sarah. Agora posso prosseguir com a minha vida e
arrumar o que ficou pendente. E saiu a toda a velocidade, enfurecida. Estava no
seu direito de se sentir exasperada. Se tivesse aguardado mais alguns instantes,
se não tivesse avançado para a porta tão ligeira, para longe do bar, para longe
de Rafael, se, se, se..., provavelmente, tê-lo-ia ouvido. Um tímido e sumido Não
posso. A prestigiada editora de política internacional do The Times
depressa encontrou razões para esquecer o padre Rafael Santini que regressara a
Roma. E se, não raras vezes, relembrava aquela conversa de surdos que teve
naquele bar em Whitehall enquanto o Chelsea jogava contra outra equipa
qualquer, o mesmo Deus em que Rafael cria, ou outro qualquer, abriu-lhe uma
janela, na forma de um Deus italiano. Mais um. Era achacada a italianos, pelos
vistos. Correspondente do Corriere
della Sera em Londres, com aparições regulares na RAI, os
mesmos 32 anos de Sarah, um corpo que faria Eros atirar-se do pedestal roído de
inveja, David automutilar-se em desespero. Só teve olhos para ela, a partir do
primeiro milésimo de segundo em que a viu, num jantar para jornalistas, na
Embaixada de Itália.
Em
abono da verdade, deve dizer-se que este Adónis do sul da Europa passou um
pouco ao lado a Sarah. Porém, o italiano cedo mostrou um interesse genuíno e uma
conversa agradável que ia muito além do playboy que aparentava ser. Natural de
Ascoli, na província de Marcas, junto ao Adriático, chamava-se Francesco. Não valia
a pena o mentir, a sua beleza escultórica fora a carta que mais pesara para Sarah
concordar num encontro a dois. A oportunidade de Francesco mostrar o que valia
e se valia a pena. Depois desse primeiro encontro veio o segundo, na semana seguinte,
depois de uma semana doida na redacção de Sarah. No terceiro, ficou selado o
compromisso com um aceso beijo junto à porta de casa dela, em Kensington, a que
se seguiram muitos outros de maior intensidade na cama do quarto dela». In
Luís Miguel Rocha, A Mentira Sagrada, Porto Editora, 2011, ISBN
978-972-004-325-2.
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