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«O importante não é aquilo que fazem de nós, mas que nós mesmos fazemos
do que os outros fizeram de nós». In Jean.Paul Sartre
«(…) Por aqui o meu coronel?, estranha Gracinda, a mais velha das
serviçais da casa, que já servia os antigos donos antes do coronel montar praça
nela, na casa, ou no solar como lhe quiserem chamar. Precisa de alguma coisa? Não
obrigado, Gracinda, só vim esticar as pernas. A senhora já acordou? Ainda não,
coitadinha, diz Conceição Genoveva com cara de enfado a juntar ao esforço da
partição do fiel amigo. Precisa de descansar. Assim será. E sai o Coronel da
cozinha pela parte de dentro para ir à sua vida, não sem antes desejar um bom
dia às duas das quatro serviçais da casa. À Gracinda, cozinheira, e à Conceição
Genoveva, das tarefas múltiplas e esposa do mordomo Alfredo. As outras estão
nos seus afazeres com certeza, a Laurinda, da lida da casa, quartos, camas, salas e salões, pó e
afins, menos a roupa, porque essa fica para a Conceição Genoveva que vai todas
as sextas-feiras ao tanque público lavá-la quando não chove e saber das novas
da terra ou, nos dias maus, ao tanque interno. A roupa de todos sem diferença
de classes, mas sem misturas de cores para não dar caso. E a Rosa, que as há em
todo o lado no nosso querido Portugal, a que trata das miúdas, todas, trabalho
imperioso e de grande responsabilidade.
Já vai o coronel no corredor, à espera da cigarrilha matinal que lhe
vai fazendo falta. Entra no salão de leitura, sabem-lhe bem estes minutos que
antecedem a graciosa deleitação do fumo. Que maravilha esta que nós ternos, a
de saborear mais os preliminares do que o prazer em si mesmo. Já a acendeu, já
a contempla nos dedos e recosta-se no cadeirão. Mira a porta da sala de
convívio aberta e Laurinda, do outro lado com o pano de limpar o pó apoiado
numa mesinha pequena, numa esfregação com Alfredo, o mordomo. Este, por detrás
dela que limpa o pó, murmúrio, gemido, respiração cavalar. E Alfredo roça que
roça para trás e para a frente por detrás de Laurinda, de saias levantadas
sobre as costas para dar arejo às apudoradas partes, despudoradas agora, e
espaço ao membro másculo que balança enérgico em movimentos persistentes. Que
rijeza, que tes… este, dos dois, não pensam em pecado nesta hora, isso fica
para mais tarde, que coisa chamarmos a consciência honesta e verdadeira para
esta sala onde estes dois se comem e enrijam os sentimentos físicos do coronel
que, na outra sala, ainda espreita pela porta com o sublime desejo cada vez
mais
inflamado. Ele é testemunha e não mirone destes que fod… um com o
outro, ele mordomo casado, mas não com ela, mulher da limpeza, do pó, que abana
o pano com todo o vigor, casada com o motorista da casa, o Adelino, que ainda
há pouco trouxe o coronel do cemitério e agora tira a lama do lado de fora do
veículo porque dentro está reluzente, ou não fosse essa também a sua função, a
de cuidar do bem-estar da viatura, enquanto a esposa limpa o pó e dá polimento
aos móveis que ficarão gastos de tanto limpar no mesmo sítio e com tanto viço.
O coronel já tem um alto no cimo das calças enquanto ainda aprecia o
espectáculo. A posição mudou, ele sentado no sofá e ela por cima dele, como que
a montar um jumento qualquer e a saltar, a saltar, a saltar, tanto
arrebatamento, nenhuma afeição, só carne com carne a eliminar o desejo como
quer o coronel, e salta que salta, salta que salta, salta que salta, até se vê
a cueca que foi enfiada de manhã e não foi tirada, só empurrada para o lado,
grande desvario este, não têm eles medo que alguém entre ou que alguém veja?
Não, ora essa, quem é que entraria e quem é que veria, nada disso, e o que
importa é aliviar a tensão e cortar o tes… Está quase, é bem doida esta
Laurinda, pensa o coronel, que nunca a tinha olhado com olhos de ver e agora
que enxerga alimenta ideias. Mas que é isto que ela faz? Por esta é que não esperava,
tal coisa nunca tinha pensado, dela que agora deglute o agregado do mordomo.
Que visão, que loucura mais interessante vem a ser esta, que Laurinda tão ágil
ali em reverência com aquilo do mordomo, ele que já geme de prazer manado e ela
a continuar sem bulício em movimentos maquinais até que Alfredo pára de gemer e
o coronel descansa também do vislumbre a que assistiu de uma técnica mais
avançada do que ele pode supor e que os subservientes dominam e ele não.
Arrumam-se os dois do pouco que desajeitaram, tudo o resto está imaculado, nem
pingo de obscenidade, pudera, é tão bom quando tudo corre bem, estas
depravações só são boas com os de fora, isto que nem é pecado quando os cônjuges
não compensam nessas artes. O que está feito, feito está, e o nosso coronel já
saiu do salão de leitura, ele que nem saboreou a cigarrilha, mas algo bem
melhor do que isso. O pecado é galante e saboroso, mesmo o dos outros que não
os dele, e já vai pelo corredor a ver a filha mais nova, que se lembrou agora
dela». In Luís Miguel Rocha, Um País Encantado, Planeta Editora, Lisboa, 2005,
ISBN 972-731-176-8.
Cortesia de PlanetaE/JDACT