domingo, 2 de junho de 2019

O Sebastianismo, História Sumária. José Van Den Besselaar. «Comentando o segundo sonho de Daniel, o jesuíta interpreta-o no mesmo sentido. Merece também atenção especial o chamado Livro IV de Esdras…»

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As profecias e os cartapácios dos sebastianistas
As profecias bíblicas
«(…) Mais importante, porém, são os textos apocalípticos da Bíblia. O género apocalíptico, que floresceu entre 200 a.C. e 200 d. C., descreve em sonhos ou visões o combate decisivo entre Israel e os seus inimigos nos tempos derradeiros, e o triunfo final do povo de Deus. A descrição faz-se por meio de figuras simbólicas (Leão, Águia, Dragão, etc.), cujo significado vem a ser explicado, ou pelo próprio profeta, ou por um Anjo, ou por Deus. Entre esses sonhos cumpre salientarmos os do profeta Daniel (cap. 2 e 7), referentes aos quatro grandes Impérios que no Próximo Oriente se sucederam e que a exegese tradicional identificava, respectivamente, com o dos Assírios, o dos Persas e Medos, o dos Gregos (Alexandre Magno) e o dos Romanos.
O primeiro sonho representava os quatro Impérios sucessivos na figura de uma estátua enorme, cuja cabeça era de ouro, o peito e os braços de prata, o ventre e as coxas de cobre, e as pernas de ferro, sendo de ferro também uma parte dos pés, mas de barro outra parte. Desprendendo-se, de repente, duma montanha, uma pedra feriu e despedaçou a estátua, crescendo até se transformar numa grande montanha, que acabou por encher a terra inteira. Esta pedra deu, em Portugal, origem ao Quinto Império, e à Fifth Monarchy entre os metodistas da Inglaterra. Eis o comentário de Vieira:

Aquela pedra […], que derrubou a estátua e
desfez em pó e cinza todo o preço e dureza de seus
metais, significa um novo e Quino Império, que o Deus
do Céu há-de levantar no Mundo nos últimos tempos
dos outros quatro. Este Império os há-de desfazer e
aniquilar a todos, e ele só há-de permanecer para
sempre, sem haver de vir jamais por acontecimento algum
a domínio ou poder estranho, sem haver de conquistado
ou destruído, como sucedeu […] aos demais.

Comentando o segundo sonho de Daniel, o jesuíta interpreta-o no mesmo sentido. Merece também atenção especial o chamado Livro IV de Esdras, opúsculo apócrifo, redigido no fim do século I d. C. por um judeu piedoso e falsamente atribuído a Esdras, o organizador da comunidade religiosa dos judeus depois do cativeiro de Babilónia (séc. V a. C.). Este livro, apesar de não canónico, gozava também entre os cristãos de grande prestígio, a ponto de ficar incluído na edição da Vulgata Latina, à guisa de apêndice. Nele se encontram algumas visões apocalípticas. Uma delas fala de um Leão (o Messias), que porá termo ao reino injusto de uma Águia monstruosa (o Império Romano) e estabelecerá um império de justiça até ao Juízo Final. Escusado será dizermos que os sebastianistas viam no Leão e figura do Encoberto.
Outra visão de Esdras fala nas dez tribos deportadas pelos Assírios no fim do século VIII a. C. Ao contrário das duas tribos que, mais tarde, seriam transportadas para a Babilónia, estas nunca conseguiram repatriar-se: encerradas por altas montanhas e rios caudalosos, vivem longe das outras nações. Mas no fim dos séculos hão-de aparecer milagrosamente para se incorporar no Reino do Messias. O tema das tribos perdidas, imaginadas como prestes a submeter-se à Lei de Cristo e ajudar o Imperador Mundial, devia ser caro a Bandarra e a Vieira. No Novo Testamento lemos diversos textos relativos ao Anticristo, às perseguições dos últimos tempos e ao Segundo Advento de Cristo. Os passos mais importantes ocorrem nos Evangelhos, nas Epístolas de São Paulo e, sobretudo, no Apocalipse. De acordo com a exegese tradicional, este livro descrevia por meio de figuras simbólicas (as sete trombetas, os sete selos, os sete anjos, etc.) a história da Igreja, uma história cheia de calamidades, às quais se havia de seguir o reino milenar de Cristo na terra e, depois de um breve intervalo dominado por Satanás, o Juízo Final». In José Van den Besselaar, O Sebastianismo História Sumária, Instituto Camões, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve /Volume 110, Livraria Bertrand, 1987.

Cortesia de CV Camões/JDACT