quarta-feira, 5 de junho de 2019

Emma. Jane Austen. «Adorava ter a mesa bem-posta, sempre fora um dos hábitos da sua juventude, mas estava convencido de que as ceias eram prejudiciais à saúde»

jdact e wikipedia

«(…) Não ficou impressionada com nada especialmente inteligente na conversa de miss Smith, porém considerou-a bastante interessante de forma geral, não era tímida em excesso, nem relutante em falar, e estava longe de ser indiscreta. Comportava-se com elegante e apropriada deferência, expressava uma agradável gratidão por ter sido convidada a vir a Hartfield, e mostrava uma admiração tão ingénua por todas as coisas, de estilo muito superior ao que ela estava acostumada, que Emma pensou que devia ter bom senso e merecia ser encorajada. E este encorajamento lhe seria dado. Estes suaves olhos azuis e todas estas graças naturais não deviam ser desperdiçados na sociedade inferior de Highbury e suas ligações. As amizades que ela fizera até agora não eram dignas dela, os amigos a quem recentemente visitara, embora fossem boas pessoas, só podiam prejudicá-la. Emma conhecia bem o carácter da família Martin, pois arrendavam uma grande fazenda nas terras de Knightley na paróquia de Donwell. Eram pessoas muito dignas, ela supunha, pois Knightley os considerava bastante, mas deviam ser rudes e incultos, e inadequados como companhia para uma moça que precisava apenas de um pouco mais de instrução e elegância para ser quase perfeita. Ela a ensinaria, ela iria refiná-la, ela a afastaria das amizades impróprias e a introduziria na boa sociedade; ela formaria as suas opiniões e as suas maneiras. Seria uma tarefa interessante e certamente muito boa, bastante atractiva para sua situação de vida, seu tempo livre e suas possibilidades. Estava tão ocupada admirando aqueles suaves olhos azuis, falando e ouvindo, e imaginando os seus esquemas ao mesmo tempo, que a noite voou de maneira incomum. A mesa da ceia, que sempre encerrava as reuniões, e era supervisionada por ela, já estava colocada junto à lareira e servida antes que ela se desse conta. Com uma alegria além do natural para alguém que sempre apreciara o crédito de organizar todas as coisas bem e com atenção, com a verdadeira boa vontade de uma mente deliciada com suas próprias ideias, fez as honras da ceia, orientou e recomendou o frango fatiado e as ostras cozidas com uma insistência que sabia aceitável para o avançado da hora e os escrúpulos de boa educação dos hóspedes.
Nessas ocasiões os sentimentos do pobre Woodhouse entravam em triste conflito. Adorava ter a mesa bem-posta, sempre fora um dos hábitos da sua juventude, mas estava convencido de que as ceias eram prejudiciais à saúde; enquanto sua hospitalidade o levava a oferecer de tudo aos convidados, ficava apreensivo ao vê-los comer. Tudo o que ele podia, em sã consciência, recomendar aos outros, era um pequeno prato de mingau ralo igual ao que ele mesmo comia. Tinha que se conter, enquanto as senhoras se serviam das comidas mais apetitosas, para dizer: mrs Bates, permita-me propor-lhe que experimente um destes ovos. Um ovo quente, muito macio, não é prejudicial. Serle cozinha um ovo como ninguém! Não recomendo ovos cozidos por mais ninguém. Não precisa ter medo, são bem pequenos... Está vendo? Um destes ovos não vai fazer-lhe mal. Miss Bates, deixe que Emma lhe sirva um pequeno pedaço de torta...» In Jane Austen, Emma, 1815/1816, Relógio de Água, 2016, ISBN 978-989-641-622-5.

Cortesia de RdeÁgua/JDACT