domingo, 16 de junho de 2019

Os Herdeiros do infante e o Governo dos Açores (1460-1485). João Silva Sousa. «O infante Henrique soube sempre como actuar, nem que para isso levasse o tempo que fosse necessário»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Pelas demandas, reconhecimentos e investimentos económicos e diplomáticos em portos da Costa de África, entre os infiéis mouriscos e pagãos da Guiné, não acusou nunca qualquer interesse, saindo-se bem distanciado dos propósitos do falecido Navegador, seu padrinho. Antes, em 1449, após Alfarrobeira, contra as hostes do Infante Pedro, o Africano, entrega a Fernando o cargo de Condestável do reino, reforçando, deste modo, o seu poder militar e alargando o campo de manobra do jovem infante (o cargo do Condestável encontrava-se, até então, nas mãos de Pedro filho do regente, que o recebera após a morte do tio do rei, João, em 1442 e contra a vontade do conde de Ourém, que, sendo neto de Nuno Álvares Pereira, se sentia com direito a ele). Melhor sorte não poderia caber-lhe do que esta, após ter demonstrado um superior afecto e respeito pelo seu soberano que, por acaso, era seu irmão mais velho.
Uma contínua prestação de favores de vassalagem, aliada a laços familiares tão próximos, permitiria a Fernando explorar a vertente liberal do régio irmão que o beneficiaria desmesuradamente. Criavam-se raízes do ódio que o futuro Príncipe herdeiro nutriria pelos primos, levando-o a cercear rente o poder económico ilimitado destes representantes da Casa de Viseu, possidentes de qualquer coisa que estaria bem perto de um terço do território nacional continental, numa alargadíssima jurisdição e representação, inclusivamente, de direitos e ex-monopólios do rei.
Como sabemos, os bens de raiz da posse e propriedade do infante Navegador eram de tipologias muito variadas: peças de cultivo e produção de cereais, vinhas e legumes, para além de diversos géneros muito específicos; áreas propícias a gado bovino e lanígero; árvores-de-frutos, a que, em geral, se associava a vinha, terrenos com estruturas transformadoras decorrentes do plantio das respectivas espécies. O infante  Henrique tinha-os da Coroa, a título vitalício ou hereditário, com o objectivo de vir a poder negociar com eles, como e quando quisesse, mesmo em casos em que necessitasse de uma autorização por parte do trono, a qual, de um modo geral, nunca lhe foi negada. Direitos e tributos enriqueciam as despensas e os cofres senhoriais. Com efeito, desconhecemos também qualquer indeferimento aos pedidos do Navegador, para negociar imóveis seus e de todos recolhia proventos a que dava os fins mais convenientes. Mesmo se transacções houvesse que pudessem vir a ferir a lei então vigente, o facto é que ele se viu dela sempre isento, dados os termos em que haviam passado os bens da Coroa para as suas mãos e aqueles pelos quais o soberano o instituía donatário e senhor exclusivo de indústrias várias: da lã à pesca, do coral ao sabão, passando pelo corso e pelo comércio africano, do Cabo Não em diante.
Foi, assim, que, primeiro, o vimos dispor de grande parte dos seus bens, se não mesmo da totalidade deles, porque esta seria, por certo, a sua intenção inicial, doando-os, por legado testamentário, datado de 1436, a seu afilhado e sobrinho. Mas o processo foi lento e cuidado. O infante Henrique soube sempre como actuar, nem que para isso levasse o tempo que fosse necessário». In João Silva Sousa, Os Herdeiros do infante e o Governo dos Açores (1460-1485), Arquipélago, História, 2ª Série, IV, Nº 2, 2000, FCSHUNova de Lisboa, Wikipedia.

Cortesia de FCSHUNova de Lisboa/JDACT