Neta de uma ‘Rainha Proprietária’ (1014-1072)
«(…) A chegada de Fernando I ao trono de Leão, ungido rei no dia 22 de
Junho de 1038, conduziu à progressiva
substituição da nobreza palatina da área galaico-portuguesa por outra de
influência castelhana. Foi então que se cunhou a denominação reino de Leão e
Castela, uma vez que Fernando aproveitaria essa circunstância para elevar a
categoria régia o condado castelhano. Também se produziria a partir de então o
progressivo afastamento dos postos de comando daquela antiga nobreza nas suas
terras a sul do Minho e os descendentes directos dos conquistadores seriam pouco
a pouco substituídos por funcionários eleitos pelos reis. Isso daria lugar a
uma aristocracia em cujo seio surgiriam os barões, com quem D. Teresa entraria
em colisão nos finais do seu reinado.
A coroação como rei leonês de Fernando I, filho de um monarca navarro,
e portanto a chegada de uma nova dinastia, também acentuaria a influência do
direito navarro, sobretudo relativamente à repartição das terras do rei entre
os filhos, o que teria uma decisiva importância no destino de D. Teresa,
enquanto descendente de uma antiga tradição que dava às mulheres um peso do
qual ela estaria muito consciente. A chega da ao trono de Leão da casa real de
Navarra marcaria também uma mudança, ainda mais profunda, em matéria religiosa.
Os reis leoneses anteriores tinham sido fiéis seguidores do rito moçárabe,
estabelecido desde a época dos monarcas visigodos. Com o reinado de Fernando I
de Leão e Castela começaria a difundir-se no resto da Península Ibérica o
rito latino ou romano. Os responsáveis por essa tarefa seriam os monges, na
sua maioria franceses, da ordem monástica de Cluny que tinha sido fundada no
início de 900, com a finalidade de
renovar desde as suas fundações a debilitada cristandade. De Borgonha, onde
tinham a casa-mãe, tinham começado a atravessar os Pirenéus navarros apoiados pelo
pai de Fernando, decidido a seguir a onda de reforma que procurava a perfeita
observância da Regra de São Bento, fundador do monaquismo ocidental.
Uma das razões da sua existência era fornecer súplicas e continuadas orações pelos seus benfeitores. Pela saúde, a
salvação da sua alma e o triunfo sobre os seus inimigos, serviços que
os monges vinham oferecendo desde há mais de um século a várias estirpes europeias,
entre as quais se encontrava a de Borgonha. Daí que os seus soberanos
estivessem dispostos a fazer importantes donativos em troca. No caso de
Fernando e D. Sancha, destinariam a esse fim grande parte do tributo anual ou parias
que os muçulmanos dos reinos de taifas conquistados pagavam como vassalagem.
Fernando chegaria a entregar a Cluny todos os anos, mil moedas de ouro, de
forma que a Ordem se visse incentivada a favorecer as suas empresas militares.
D. Sancha conseguiria que o marido investisse parte desses tributos no
financiamento de uma campanha de reconquista nas terras onde um dia D. Teresa
viria a governar. Segundo uma crónica, a própria rainha se ocupou de realizar
tarefas próprias dos homens, como aparelhar os cavalos e controlar as armas
antes da partida, interessada como estava em proporcionar um contundente
castigo aos infiéis que tinham acabado com a vida do seu pai, há já quase
trinta anos.
A partir de 1055
conseguir-se-ia assim restaurar uma longa lista de castelos a leste de Lamego.
No ano seguinte as tropas leonesas conquistariam a cidade desse nome, e uma vez
passado o Inverno os exércitos avançaram finalmente até Viseu, cidade que
cairia depois de uma resistência de poucos dias. Conta um cronista muçulmano que,
a pedido da rainha, Fernando ordenou que procurassem o soldado que com a sua
seta tinha acabado com a vida do sogro, e que, uma vez encontrado, lhe
cortassem as mãos. A Historia Silense, redigida cinquenta
anos depois sob o patrocínio de uma filha de D. Sancha, omite o pedido da
rainha. Posteriormente à reconquista de Viseu, considerada um marco para a
família real, a rainha D. Sancha retomou outro velho desejo, convencer o marido
de que, uma vez morto ele, o seu corpo descansasse junto aos de Afonso V e D. Elvira
Mendes, no seu mosteiro de São João de Leão. Segundo uma crónica, veio a ele a rainha D. Sancha com mansas
falas e conseguiu o seu objectivo. Posteriormente, a rainha empreendeu
as obras de reconstrução do panteão real. O antigo edifício de adobe
tradicional seria substituído por um de pedra calcária». In Marsilio Cassotti, D. Teresa,
A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio
Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.
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