sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Isabel de Castela e Maria de Castela. Duas Irmãs para um Rei. Isabel Guimarães Sá. «As suas cartas, correspondeu-se com centenas de pessoas, formam o famoso “Epistolário”, e fornecem preciosas informações sobre a corte dos Reis Católicos e a descoberta do Novo Mundo, ainda que o autor tenha tendência a exagerar nas suas narrativas»

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As Fontes. Vários cronistas espanhóis e também alguns italianos
«(…) Não presenciou, mas sobretudo leu. Ao contrário de outros autores, não troca nomes nem títulos, e os seus textos acusam indesmentível rigor. As suas crónicas, repletas de intrigas, algumas delas envolvendo Portugal. Não sabemos se são inteiramente verdade, mas muitas vezes lançam novas luzes sobre a tomada de decisões políticas por parte do papa, dos Reis Católicos ou dos reis portugueses. Adiante veremos... E agora, apresentemos um autor fundamental, que não foi cronista, mas ao qual se devem muitas informações sobre a corte dos reis, e, na parte que nos toca de mais perto, ao ambiente no qual cresceram as nossas princesas: Pietro Martire d'Anghien (1457-1526), Pedro Mártir de Anglería para os espanhóis. Era, tal como o nosso Cataldo Parísio Sículo, que permaneceu na corte de João II de Portugal e foi preceptor do seu bastardo Jorge, um dos muitos humanistas italianos que buscavam honra e glória longe da sua Itália natal. Estes homens de letras emigrados eram quase sempre os menos dotados do ponto de vista intelectual e artístico, quando confrontados com os grandes nomes do humanismo italiano, mas fixavam-se nas cortes que os recebiam. O latim, que dominavam na perfeição, juntamente com o conhecimento dos autores clássicos, eram fundamentais para lhes garantir um lugar como embaixadores ou preceptores dos jovens nobres. Pedro Mártir (vamos chamar-lhe assim daqui em diante, por comodidade) era, não siciliano como Cataldo, mas provinha da região de Milão, e chegou a Espanha em 1487, depois de uma passagem por Roma, para onde fora aos 20 anos. Um embaixador espanhol na corte papal trouxe-o para Espanha, onde se radicou até ao final da vida. Ensinou na Universidade de Salamanca e foi depois capelão de Fernando e Isabel. Em 1492, a sua mais importante tarefa era ensinar os jovens da corte: a título de curiosidade, diga-se que foi preceptor dos filhos do degolado duque de Bragança, o depois duque Jaime e seu irmão Dinis. O viajante alemão Jerónimo Münzer cifrou o número dos seus alunos em quarenta: moços esclarecidos, servidores da Casa Real. Em 1501 foi enviado ao Egipto em missão diplomática, e continuou ao serviço de Fernando, o Católico, depois da morte de Isabel I de Castela em 1504. As suas cartas, correspondeu-se com centenas de pessoas, formam o famoso Epistolário, e fornecem preciosas informações sobre a corte dos Reis Católicos e a descoberta do Novo Mundo, ainda que o autor tenha tendência a exagerar muitas das suas narrativas. São mais de 650 cartas, distribuídas por três volumes.
Lúcio Marineo Sículo (c. 1444-1533) foi outro humanista em exílio voluntário junto da cone dos Reis Católicos, e, tal como os restantes, exerceu funções de preceptor de jovens nobres, depois de ter passado pela Universidade de Salamanca. Fernando, o Católico, chamou-o para junto de si, nomeando-o seu capelão e cronista. Escreveu várias crónicas, entre as quais a Crónica de Aragão e a Vida y hechos de los Reyes Catolicos, e ainda a obra De las cosas memorables de España, e é autor de um epistolário, tal como Pedro Mártir, embora menos interessante que o deste último. O conjunto de italianos não fica por aqui, devendo ainda referir-se Marino Sanuto (1466-1536), nativo da Sereníssima República (de seu nome original Marin Sanudo), onde exerceu actividade política. Escreveu um diário em 58 volumes que consiste num relato minucioso da política veneziana, conhecida por estar a par de tudo o que de importante se passava na Europa graças a um serviço de informações veiculado por espiões e outros informadores. Aí registou toda a informação veneziana em torno da política e dos mercados europeus. Uma espécie de diretório das informações da espionagem veneziana do tempo: à Sereníssima chegavam notícias de todo o mundo conhecido, desde os preços das especiarias asiáticas praticados em Lisboa até ao que se passava nas salas de audiência da Santa Sé. São de Sanuto algumas notícias sobre as cortes portuguesa e espanhola que usaremos neste estudo.
É necessário referir que os reis, sobretudo Isabel I, foram controversos mesmo para os seus contemporâneos. O facto de esta se ter sentado no trono depois de uma guerra de sucessão, e de ter suplantado uma rival cuja ilegitimidade era discutível, fez aumentar a importância da propaganda política. Isabel tinha, de demonstrar a sua legitimidade como rainha face não apenas a Joana de Trastâmara, filha do seu meio irmão, como também em relação ao marido. Muitos havia, sobretudo em Aragão, onde a tradição favorecia o sistema sálico (segundo o qual o trono podia ser herdado apenas por varões e transmitido por linha masculina), que consideravam que o papel de rei cabia apenas ao seu marido, Fernando de Aragão, também ele um Trastâmara, que devia reinar em nome da mulher. Isabel recusou-o liminarmente, como se sabe. Muitos, como o cronista Afonso de Palencia, achavam desadequado que uma mulher reinasse, e Isabel, a Católica, teve de criar uma imagem que o desmentisse». In Isabel Guimarães Sá, Rainhas Consortes de D. Manuel I, Isabel de Castela, Maria de Castela e Leonor de Áustria, C. de Leitores, 2012, ISBN 978-972-42-4710-6.

Cortesia de CL/JDACT