terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Ideias no Gharb al-Ândalus. Tópicos para a História da Civilização. António B. Coelho. «… regras acerca do uso das palavras; e distingue-se dela em que a gramática dá apenas as regras próprias e privativas das palavras de um povo determinado enquanto a lógica dá as regras comuns e gerais para as palavras de todos os povos»

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Filósofos Orientais
«(…) Filósofo, médico, matemático e músico, falava o turco, o árabe e o persa. Para os historiadores árabes, depois do primeiro mestre, Aristóteles, Al-Farabí era o segundo. Chegaram até nós mais de cinquenta títulos, alguns traduzidos na Idade Média para latim e hebreu. Do Catálogo das Ciências existe uma cópia manuscrita árabe no Escorial, datada de 1310 e traduções latinas medievais. Nesta obra analisa a ciência da linguagem, a utilidade da lógica, as ciências matemáticas que compreendem a aritmética, a geometria, a óptica, a astronomia, a música, a ciência dos pesos ou mecânica, a ciência da engenharia. Vem depois a ciência física, a metafísica, a ciência política, o direito e a teologia. O objecto da lógica, isto é, aquilo sobre o qual a lógica dá regras são as ideias ou inteligíveis enquanto guardam relação semântica ou significativa com as palavras, e as palavras enquanto significam as ideias. A lógica tem de comum com a gramática o dar, como esta, regras acerca do uso das palavras; e distingue-se dela em que a gramática dá apenas as regras próprias e privativas das palavras de um povo determinado enquanto a lógica dá as regras comuns e gerais para as palavras de todos os povos.
O cosmos é concebido como um conjunto de esferas concêntricas em cujo centro fica a Terra. Em torno dela giram as nove esferas com movimento circular e eterno, gerado em cada uma delas pela inteligência da esfera imediatamente superior. O movimento celeste provém do desejo de perfeição intrínseco a cada uma das esferas que querem assemelhar-se às suas respectivas inteligências motoras. Ao mesmo tempo e imediatamente, tendem para o ser primeiro. Todo o cosmos se move impulsionado pelo amor universal de perfeição. No livro Sobre o Governo das Cidades considera seis tipos de sociedades reais, todas imperfeitas: a sociedade da pura necessidade, a sociedade da riqueza, a sociedade depravada, a sociedade da honra, a sociedade tirânica e a sociedade demagógica. Face às sociedades imperfeitas contrapõe-se a sociedade ideal ou virtuosa que exige a saúde ética de todos os cidadãos e a subordinação dos governantes aos supremos princípios racionais. Defendia, na esteira de Platão, que só uma elite de filósofos, capazes de ascese e distanciados do mundo sensível, podiam ascender à sociedade ideal.
Ibn Sina, Abu Ali Al-Husayn b. Abd Allah b. Sina (Avicena), (Afshana, perto de Bucara, Uzbequistão 980-Hamadan, Pérsia,-1037). Avicena foi educado em Bucara, onde o pai exercia um alto cargo na administração, e revelou-se desde cedo um menino prodígio. Teve acesso à biblioteca do palácio. Numa das salas estavam as obras sobre língua árabe e poesia, noutra as de direito islâmico; e assim em cada sala as de um só saber. Li o catálogo dos livros dos Antigos e pedi quantos necessitei. Entre esses livros vi alguns dos quais a gente não conhecia sequer o nome nem eu mesmo os havia visto antes e não os voltei a ver depois.
Além de Bucara, viveu em Gurgan, próximo do Mar Cáspio onde iniciou a redacção do Cânon de Medicina, atravessou o Qaraqum, viveu em Nisapor, Rayy, Ispahan, Hamadan. Várias vezes ministro, conheceu a fuga e o cárcere. O seu saber enciclopédico desenvolveu-se em obras que abordam as ciências naturais, a física, a química, a astronomia, as matemáticas, a música, a economia, a política, a moral, a exegese corânica. Em metafísica, os seus mestres principais foram Aristóteles, Al-Farabi e Plotino através da pretensa Teologia de Aristóteles.
Em Avicena a teoria procura sempre casar-se com o concreto. No Livro do Juízo Imparcial, constituído por vinte volumes, que desapareceram na tomada de Hamadan, e de que nos resta um fragmento, analisava vinte e oito mil questões. No cárcere escreveu a Historia de Hayy ibn Yaqzan que teria larga influência nos peninsulares Ibn Bayya e principalmente em Ibn Tufayl. À questão, os universais existem fora dos objectos individuais?, deu a resposta clássica de que existem ante res no espírito de Deus; in rebus nas coisas em que se manifestam; post res depois das coisas no estado de abstração no espírito do homem; mas, no mundo natural, os universais não poderiam existir fora das coisas individuais. Na metafísica de Avicena encontra-se o essencial da doutrina de Al-Farabi e de Aristóteles: o contingente e o necessário, o múltiplo e o uno. Para explicar o problema do múltiplo contingente e mudante que existe no Uno necessário e imóvel, Avicena emite a hipótese de uma inteligência activa intermediária, a alma. Deus é anterior ao mundo não no tempo mas racionalmente enquanto essência, coisa em si e causa primeira». In António Borges Coelho, Tópicos para a História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.

Cortesia de I.Camões/JDACT