Filósofos Orientais
«(…) A característica
fundamental dos filósofos árabes medievais, do Oriente ou do Ocidente, é antes
de mais o seu espírito enciclopédico. Para o homem culto a sabedoria envolvia todo
o saber. Com o saber organizavam uma explicação metafísica do cosmos e dele
retiravam aplicações práticas. Na explicação do universo seguiam a via
aristotélica, fundada na ideia de matéria-forma, na relação potência-acto e na
estruturação substância-acidentes. O
comportamento de todo o ente, astral ou terreno, inanimado ou vivo, dependia da
sua natureza… O que se movia tinha uma natureza móvel; o que vivia, animada; o
que se podia medir, mensurável; o que podia receber uma acção, receptiva.
A explicação ficava enredada no universo das palavras. Mas todo o saber desembocava
em aplicações práticas: cultivar, curar, medir, contar, navegar. O primeiro
grande filósofo árabe helenizante foi Al-kindí, Abu Yusuf ibn Ishaq
(Kufa, 796-Bagdade-873) que recebeu o título de filósofo
dos árabes. Oriundo da tribo Kinda,
da Arábia do Sul, passou a infância em Basra onde o pai era governador.
Depois veio para Bagdade e aí gozou do favor dos califas Al-Mamun e
Al-Mutasim. Fez traduzir por colaboradores cristãos a Pseudo-Teologia de Aristóteles, uma parte da Metafísica
deste filósofo e a Geografia
de Ptolomeu. Os alfaquis puseram
em dúvida a sua fé e no tempo de Al-Mutawakkil viu a sua biblioteca confiscada
e depois restituída. Escreveu mais de duzentos títulos, alguns deles traduzidos
na Idade Média para latim por Ibn Dawud e Gerardo de Cremona, e
também para hebraico.
Al-Kindí segue Aristóteles na lógica, na física e na biologia mas
nega a eternidade do mundo e a concepção intelectualista de Deus. O universo
divide-se em dois mundos: o das
esferas celestes, submetido ao movimento circular; e o mundo sublunar, condenado à geração e à
corrupção. No centro do cosmos, criado por Deus, está a Terra, formada de água, ar e fogo. Num
dos seus escritos, a Risala fi hudud
al-asya wa rusumuha, estabelece um pequeno dicionário filosófico. A necessidade
da definição deveria ser completada pelo exercício da matemática e da lógica. E para alcançar o conhecimento das causas
primeiras a dedução era o método necessário. Quanto ao problema da concordância da filosofia e da verdade
revelada, Al-Kindí considerou que a filosofia é a ciência do conhecimento
universal da realidade. Além do seu valor teórico, permite também dirigir a
vida do homem para o bem. Neste sentido, a verdade da filosofia tem uma missão semelhante
à da verdade revelada?
Al-Razí, Muhammad
ibn Musa (Rayy, Teerão, cerca de 865-Ray-925), médico, alquimista e
filósofo, dirigiu o principal hospital de Bagdade e foi um dos mais altos expoentes
da medicina muçulmana. Descobriu o vazio. A sua principal
obra médica foi Al-Hawi (O Completo), traduzido para latim
nos finais do século XIII na Sicília, com o título De Continens. Nesta enciclopédia geral da medicina, reuniu,
para cada enfermidade, os diagnósticos dos seus predecessores, Hipócrates,
Galeno, médicos indianos, persas e sírios, a que
acrescentou as suas próprias observações. Como alquimista, o seu Livro dos Segredos teve larga
influência em Paracelso. A concepção do universo de Al-Razí
assenta em cinco princípios eternos, herdados do neoplatonismo:
- Deus, que é a suprema sabedoria;
- a alma universal, viva mas ignorante;
- a matéria prima que é composta de átomos;
- o espaço;
- o tempo.
Apoiados pela razão, os filósofos, e não os profetas,
é que devem despertar as almas do seu letargo material. As almas que não possam
ser redimidas do seu apego à matéria pelos filósofos ficarão errando depois da
morte do corpo e são os demónios. E se Deus nos deu a razão por que enviaria profetas
que se contradizem uns aos outros como acontece com o Corão contraditado
pela Bíblia, os cristãos por Maomé, o judaísmo pelos maniqueus.
Muitos profetas não passam de demónios ou enganadores dos homens. l-Farabí, Abu Nasr Muhammad b. M.
b. Tarjan b. Ozlag (Farab, Turquestão, c. 872-Damasco-950). Residiu em Alepo,
visitou o Egipto depois do triunfo dos fatimidas,
viveu em Bagdade, depois em Damasco». In António Borges Coelho, Tópicos para a História da Civilização e das
Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999,
IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.
Cortesia de I.Camões/JDACT