domingo, 16 de fevereiro de 2014

A Sociedade Medieval Portuguesa. H. Oliveira Marques. «Cada cidade possuía, praticamente, o seu tipo de pano especial, de cujo fabrico só ela conhecia o segredo que ciosamente guardava. Lãs mais ou menos espessas, mais ou menos finas, riscadas ou lisas…»

Cortesia de wikipedia 

A Mesa
«(…) E era cousa formosa para ver as mesas como estavam ordenadas, que em cada uma havia três grandes bacios de iguarias cobertos , e em cima dos dois dos cabos estavam tendas de damasco branco e roxo, que eram as cores da Princesa; as tendas eram borladas e muito galantes, com muitas bandeirinhas douradas, e eram grandes de dez côvados cada uma. E na iguaria do meio estava um castelo de feição de tríbulo, feito de madeira subtil, e pano de tafetá dourado, que era muito formosa cousa, e de muito custo. Começaram a comer, e por a infinidade das iguarias, manjares, conservas, fruitas, que foi como consoada, durou muito grande espaço. E acabado houver muitos e muitos momos e mui singulares entremeses, cada vez com mais riquezas, gentileza, e melhores invenções, que duraram até acerca da manhã.
[…]
 
O Traje
O conceito de moda é antiquíssimo. Remonta porventura à Pré-História. Mas eram modas simples e duradouras, essas dos tempos antigos. Só a partir do século XIII a moda se acelerou, em relação directa com as transformações económicas que o mundo ocidental conheceu a partir do undécimo século. Essas transformações caracterizavam-se por um aumento das transacções comerciais, em especial à distância. No plano social assistiu-se ao nascimento de uma nova classe, a burguesia. A população concentrou-se nas cidades, que passaram a constituir os núcleos principais da actividade económica e cultural. Ora, vivendo na cidade, nobres e burgueses contactaram, directa e quotidianamente, com os outros nobres e os outros burgueses. A emulação, característica também das actividades profissionais, foi reflectir-se no vestuário. Ao sair da igreja, ao tomar assento na assembleia camarária, ao participar nas festividades da sua cidade, o burguês sentia sempre o desejo de superar o seu concidadão. Pretendia chamar a atenção sobre si através da qualidade de tecido que envergava e da forma como o talhava. Queria, em suma mostrar-se diferente, mais rico, e mais belo. Foi aformosear-se, e à família, como aformoseou a casa pelos móveis que adquiriu e as tapeçarias que a revestiram. Por outro lado, o nascimento da vida de corte pôs os nobres em presença uns dos outros e suscitou também neles competição na aparência.
Mas a moda, no sentido de variedade, surgiu igualmente das novas condições da produção. Antes do século XI, os tecidos fabricados no ocidente da Europa obedeciam a uma relativa uniformidade. As diferenças de qualidade existiam, é certo, mas em grau muito menor. A tradição romana nem mesmo tingia as peças de lã ou de linho fiadas, que se talhavam e vestiam em sua cor natural. Ora, o desenvolvimento da indústria têxtil, cujos centros principais foram a Flandres, o norte de Itália e, um pouco mais tarde, a Inglaterra, trouxe consigo a fabricação de numerosíssimas qualidades de panos. São dezenas e dezenas de tecidos diversos que os documentos dos séculos XIII, XIV e XV nos revelam. Cada cidade possuía, praticamente, o seu tipo de pano especial, de cujo fabrico só ela conhecia o segredo que ciosamente guardava. Lãs mais ou menos espessas, mais ou menos finas, riscadas ou lisas, com adornos e bordados, se produziam, exportavam e utilizavam para a confecção dos variados trajes». In A. H. Oliveira Marques, A Sociedade Medieval Portuguesa, Aspectos da Vida Quotidiana, a Esfera dos Livros, 2010, ISBN 978-989-626-241-9. 
 
Cortesia de E. dos Livros/JDACT