Resumo
«O
presente estudo das obras Traços do
Extremo Oriente e Notícias do Exílio Nipónico de Wenceslau Moraes, terá por objectivo
reflectir sobre a importância da técnica do documentário em literatura, como
forma de descobrir e dar a conhecer outras culturas diferentes da nossa. Neste
sentido, as suas obras são de extrema importância a nível cultural e enquanto
reflexo do pensamento português no mundo e sobre o mundo; encontramos em cada
palavra sua o cruzamento de ideias e de história, de imaginários e realidades. A
importância da abordagem deste autor aquando do ensino do português deverá ser
feita, não apenas à luz de todo um passado de conhecimento e de relação entre
Portugal e o Japão mas, principalmente, através do olhar interessado, de
amadurecimento e de profunda reflexão que o autor nos oferece. Actualmente, é
cada vez mais importante documentar, revelar, dar a conhecer todas as
realidades que nos circundam e aprender a capacidade de nos colocarmos no lugar
do outro, a acolher o outro sem imagens pré-concebidas, a respeitar as
diferenças e a compreender novos pontos de vista. Neste aspecto, Wenceslau Moraes foi um verdadeiro
humanista. A presente dissertação procura responder às seguintes questões:
- Qual a importância da escrita diária, dos relatos de viagens ou apontamentos das observações, para o ensino de uma língua e de uma cultura?
- É ou não a escrita de Wenceslau Moraes um mito, no sentido de epopeia?
- Serão as suas obras reflexo de um mero conhecimento enciclopédico?
- Afinal, o que será ensinar, tendo como imagem a figura de Wenceslau Moraes?
Introdução. Entre
Duas Civilizações. A Entrega a Esse Outro que me torno EU
Não
é apenas o Oriente visto pelos olhos de um ocidental. É o Oriente vivido, o
Oriente sentido primeiramente a nível físico, para ser depois incorporado
espiritualmente. Wenceslau Moraes,
longe da figura do heróico marinheiro e conquistador vaidoso, é a imagem
sublime do viajante humanista. Enquanto oficial da armada portuguesa passou por
Moçambique, por Timor, leccionou no liceu em Macau e foi cônsul no Japão, onde
viria a terminar os seus dias. As obras de Wenceslau
Moraes são de extrema importância a nível cultural e enquanto reflexo do
pensamento português no mundo e sobre o mundo. Encontramos em cada palavra sua
o cruzamento de ideias e de História, de imaginário e realidade.
A Temática
O que inicialmente poderia ser um comum relato de viagens torna-se
testemunho do destino de um português que adopta uma cultura e costumes
diferentes da terra onde nasceu. A sua escrita vai evoluindo com o conhecimento
e a entrega a este novo mundo. Os textos, enriquecidos com descrições cada vez
mais vivas e sensitivas, transportam o leitor para esta terra distante. Este
relato é feito ao estilo de um diário ou registo de correspondência. Não deverá
ser lido de uma forma fugaz, é preciso saborear, sentir os cheiros,
deixarmo-nos embrenhar nas cores e no ambiente desta civilização tão distante
do mundo ocidental, e que desde sempre seduziu os espíritos mais inquietos com
imagens de um cenário idílico e quente. Quase que sentimos os cheiros dos
cozinhados e dos odores corporais, quase que nos sentimos perdidos no meio
daqueles verdadeiros enxames de gente.
A época de Wenceslau caracteriza-se
nas artes plásticas pelo impressionismo, e na literatura pelo
naturalismo e realismo. Apesar de ao longo da sua vida se ter afastado e
criticado o modo de vida ocidental, e consequentemente ter-se retirado também
desse meio cultural pela distância física, estas correntes são de alguma forma
visíveis na sua escrita de carácter autobiográfico, relatando as suas
experiências e vivências, descrevendo também a vida, a cultura e os costumes
nipónicos. As obras em estudo são uma verdadeira prova de que a sua escrita,
mais do que factual, é apaixonada, repleta de sensações visuais, apelando ao esgotamento
dos sentidos.
Os
seus textos, todos eles datados, podem ser vistos como documentários,
curtas-metragens que fixam instantâneos do quotidiano vivido, através dos quais
o autor retrata com elegância a paisagem idílica, venera a musumé (mulher japonesa) e descreve a
perfeição artística do Japão. Através desta escrita-documentário o autor
consegue captar momentos verdadeiramente singulares, transportando o leitor da
realidade, através da palavra escrita, para um imaginário visual. Nem sempre
esta viagem é feita de belas paisagens e alegres encontros. A temática do
exílio e da saudade é recorrente nos seus escritos, sentimentos presentes
naquele que deixa a sua pátria para se descobrir numa outra. No prefácio à 1ª edição
de Janeiro de 1895, escreve o editor
seu amigo, Vicente Almeida d’Eça sobre o autor: encontra-se em
Wenceslau de Moraes a nota triste, a funda compreensão das misérias humanas, o
fácil apanhar de um facto que a outros se afiguraria trivial mas que, bem
estudado, encerra um mundo de considerações. Estas experiências pessoais
são testemunhadas não apenas como factos, mas com o calor de quem sente o que
vê. A escrita de Moraes é uma escrita auto-reflexiva em primeira pessoa,
vivendo do espontâneo e da emoção. Sendo a palavra expressão do sentimento,
tudo o que nos toca deve ser dito. O que é dito resulta da observação curiosa e
do interesse do nosso viajante, que se torna simultaneamente espectador, pintor
e juiz. Aqui, o sentido mais aguçado será a visão, as suas impressões fazem
desenhar no nosso imaginário um
perpétuo carnaval de usos exóticos. Quando conhecemos verdadeiramente o
outro, torna-se incompreensível qualquer justificação para uma guerra. Neste
aspecto, Wenceslau foi um verdadeiro
humanista.
A Problemática
A escolha do tema provém da realização do trabalho prévio no seminário de
Literaturas e Culturas dos Países de Língua Portuguesa. Como resultado do mesmo,
foram-se levantando várias problemáticas, como a importância da escrita-documentário
como material de estudo para o conhecimento e ensino de uma cultura e de uma
língua; se serão ou não as obras de Moraes
uma epopeia; se serão ou não as suas obras um conjunto de conhecimentos
enciclopédicos; e finalmente, o que está por detrás do acto de ensinar
tendo como imagem a figura de Wenceslau».
In
Maria Margarida Silva Faria Capitão, Entre
duas civilizações. O universo de leituras em Wenceslau de Moraes, Dissertação
de Mestrado, 2011, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova
de Lisboa, 2012.
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