terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Macau Histórico. Edição de 1926. Montalto de Jesus. «Segundo o “Ming Shi”, os francos aproveitaram-se da preocupação da China com os piratas para tomarem posse de Macau. Em seguida, o comércio estrangeiro, que embora proibido desde 1522, tinha sido tolerado em Tienpak…»

Leal Senado, Ou Mun Kei Leok
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Um reinado de terror criado pelos piratas. O cavalheirismo das armas portuguesas
«(…) Enquanto as forças imperiais continuavam desorganizadas e desmoralizadas as frotas unidas dos piratas assumiam tais proporções que, segundo uma crónica chinesa, em 1551, já não era possível desbaratá-los. Em vão procurou o governo chinês vencer, por todos os meios possíveis, o seu extraordinário chefe. Depois de devastar várias cidades em Foquien os piratas mudaram-se para o Sul, em 1557, provocando grande consternação em Cantão. Segundo as tradições de Macau, nesta conjuntura, os portugueses atacaram e destruíram um grande número de piratas, desalojando-os do seu abrigo em Macau, pelo que os sobreviventes da horda se refugiaram numa ilha, desde então chamada Ilha de Ladrões. Com este feito de armas os portugueses adquiriram a posse de Macau. Os notáveis serviços por eles prestados foram relatados ao imperador, que expressou o seu reconhecimento enviando ao seu comandante a chapa de ouro. Nesse mesmo ano, 1557, os mandarins e os mercadores de Cantão obtiveram a sanção imperial para os portugueses se estabelecerem em Macau. O imperador confirmou isto em documentos que seguidamente foram gravados em pedra e em madeira na casa do Senado de Macau. O que foi feito destes documentos é um enigma; já não há registo sequer dos que foram gravados em pedra. Como foi afirmado pelo visconde de Santarém, na sua Memória sobre o estabelecimento dos portugueses em Macau na China, por sistemática negligência a história de Macau tem sido deixada envolta na obscuridade durante séculos, sem as provas documentais absolutamente necessárias para resolver as questões que se levantam do intrincado dos relatos contraditórios. Mesmo em relação à origem da colónia é demasiado estranho que dois historiadores contemporâneos, Barros e Couto, a não refiram nas suas Décadas, embora o silêncio de Couto possa ser devido ao facto de parte dos seus manuscritos ter sido destruída. Mas nem mesmo Camões menciona Macau nos Lusíadas, parcialmente compostos numa gruta, lá, quando a cidade estava a ser fundada. Obviamente, nenhum deles acreditava na estabilidade da colónia depois de tantos desaires na China. E só após dois séculos de mansa subserviência aos mandarins foi dada a seguinte versão oficial à autonomia original da colónia, como foi recolhido dos registos nos arquivos de Lisboa:

O mar da China estava infestado de piratas e insurrectos, que espalhavam a destruição no comércio e na navegação quando, após a devida preparação, os portugueses assaltaram os bandido, e em breve limparam o mar de escória, para grande olívio e alegria dos chineses. Os portugueses carregaram, então, sobre Heang-shan, onde grandes extensões estavam dominadas por um poderoso chefe. Depois de forte resistência este foi vencido e a ilha tomada pelos vassalos da coroa de Portugal; disso resulta que a soberania em questão é fundamentada no direito de conquista, adquirido pelas armas de Portugal e à custa do sangue português. Ocupada a ilha, e sendo Macau melhor adaptado para fins comerciais, o cidade foi construída naquela península. Isto, os chineses não teriam permitido a não ser por reconhecerem inteiramente os direitos portugueses sobre aquele território. Nem os portugueses teriam incorrido no pesado gasto que fizeram ao construir a cidade se não estivessem completamente certos dos seus direitos para assim fazer independentemente das leis e do governo da China. Está tradicionalmente registado, contudo, que para melhor salvaguarda os fundadores de Macau insistiram para que a sua possessão fosse confirmada pelo imperador chinês que, em paga pela salvação dos seus súbditos das depredações e atrocidades dos piratas, não só anuiu ao pedido mas também outorgou aos portugueses muitos privilégios e isenções.

Esta é a versão dada num exaustivo memorando de Martinho Melo Castro, o celebrado ministro das Colónias. Por outro lado, os cronistas chineses atribuem à colónia uma origem muito diferente. Segundo o Ming Shi, os francos aproveitaram-se da preocupação da China com os piratas para tomarem posse de Macau. Em seguida, o comércio estrangeiro, que embora proibido desde 1522, tinha sido tolerado em Tienpak por mor dos emolumentos fiscais foi, por meio de subornos, desviado em 1534 para Macau, onde os francos e vários comerciantes orientais asseguraram uma posição, estabelecendo-se uma espécie de estado de sua propriedade». In Carlos Montalto de Jesus, Historic Macao, 1926, Macau Histórico, 1ª edição em Português, 1990, Livros do Oriente, Fundação Oriente, ISBN 972-9418-01-2.

Cortesia da F. Oriente/JDACT