A Rainha Triste
«(…) Demonstrando uma tenacidade que a sua filha Joana herdaria, D. Leonor escreveu ao então napolitano Alfonso V de
Aragão, pedindo-lhe que regressasse à península para defender os seus direitos.
Mas o irmão mais velho da rainha não estava de maneira nenhuma disposto a
responder a pedidos irrealistas, falta na qual nunca incorreria a filha daquela,
e muito menos a deixar, depois de anos de luta, um prestigioso reino duplo que
incluía as riquíssimas terras da Sicília, e, sobretudo, uma cidade banhada por
uma magnífica baía na qual o Magnânimo
tinha constituído uma família com os filhos que a sua esposa não lhe tinha
podido dar por ser estéril. Em Março de 1443,
Leonor começou a assinar as suas cartas como a rainha triste,
qualificativo que muitos anos depois adoptaria a rainha Joana. A exilada
negar-se-ia inclusivamente a estar presente com a filha, que nessa altura tinha
quatro anos, no palácio de Escalona, para participar na cerimónia de baptismo
da filha que o condestável Álvaro de Luna acabava de ter da segunda esposa, uma
Pimentel.
Os cronistas castelhanos deleitavam-se a narrar como a rainha María de
Castilla teve de aceitar ser a madrinha da filha do seu arqui-inimigo. Enquanto
D. Leonor se retira, nesse momento, de cena, os cortesãos mais fiéis do rei de
Castela começam a organizar uma acção decisiva para libertar o rei, de uma vez
por todas, do peso que constituem a sua esposa e os seus cunhados. Os infantes
de Aragão, viúvos, pressentindo esse perigo negoceiam o seu casamento com as
filhas de dois poderosos nobres castelhanos, que pensam poderem vir a
servir-lhes de aliados na luta final contra o valido. Juan II de Navarra
compromete-se com uma mulher que tem menos de metade da sua idade, filha de um
Enríquez de sangue real, almirante de Castela e primo afastado da rainha D.
Leonor, ao qual o cronista português Fernão Lopes, numa obra escrita naquela
época, atribui uma avó judia.
Na Castela daquele tempo, além de muitos bispos, os funcionários que
trabalhavam na corte eram, em boa parte, filhos de judeus convertidos, pelo que
esta circunstância não teria nada de especial não fosse tratar-se do avô do futuro
rei Fernando, o Católico.
Por outro lado, o infante Enrique de Aragão, também tio da infanta Joana,
casa-se com outra Pimentel, irmã da mulher do valido. As duas prometidas têm
assim oportunidade de conhecer a pequena infanta Joana, quando a mãe dela,
desta vez, se digna tomar parte nos respectivos casamentos, que tiveram lugar,
provavelmente, em Setembro de 1443,no
castelo de Torrolobatón, domínio do almirante de Castela. Este lugar aparece
referido na chamada Crónica del Halconero, onde também se narra que nessas
cerimónias estiveram presentes os reis de Castela e a rainha de Portugal. Ao
contrário do príncipe Enrique, ocupado com outros assuntos. Na idade em que
algumas infantas começavam a receber as primeiras lições da sua educação, Joana
ouviria, sem lhes entender o significado, alguns comentários sobre a
importância conseguida pelo seu primo nos últimos meses, graças à intervenção
de Juan Pacheco. O futuro marido da infanta conseguira que o rei de Castela lhe
fosse transferindo, pouco a pouco, as rendas do principado das Astúrias. Como recompensa
por isso, o mordomo-mor do príncipe recebeu a vila de Villena. O seu irmão,
Pedro Girón, foi nomeado aguazil-mor de Medina del Campo. Na primavera de 1444, o príncipe dá um passo que
influenciará decisivamente a vida da futura segunda esposa. Separa-se da
primeira, Blanca de Navarra, depois de quase três anos e meio de convivência durante
a qual não fora capaz de consumar o matrimónio.
Enrique abandona Blanca em Segóvia, onde o casal residira, e vai para
Ávila, vila onde habita uma muito próspera comunidade judaica, da qual é
originário o seu mestre, um bispo de origem judaica convertida. Por influência
de Pacheco, Enrique começa então a exercer pressão sobre o ainda sogro, Juan II
de Navarra, com a intenção de libertar o seu pai, que então se encontrava na
vila de Portillo, novamente junto da sua mulher, a rainha María, a rainha
Leonor e a infanta Joana. Ao chegar o príncipe das Astúrias como libertador
do seu pai, o irmão das rainhas escapa. E tanto María como a sua irmã Leonor fogem
em debandada. É possível que esta seja uma das primeiras aventuras que ficaram gravadas na memória de Joana, que pouco antes fizera cinco
anos. A pressa, a tensão da mãe, a agitação da ama, as correrias para reunir a infanta
e o seu colaço, os olhares de transtorno dos fiéis servidores... Segundo o
testemunho de Palencia referindo-se a María de Castilla, a rainha teve dificuldade em encontrar refúgio mais seguro que o de Arévalo,
a vila mais bem fortificada dos seus domínios. Ali vivia, tão atemorizada agora
como inimiga de Álvaro no verão anterior. No entanto, servia de grande consolo
à rainha a companhia da irmã, a rainha de Portugal.
Depois da fuga de Portillo, ambas as irmãs residiram por um breve período
em Arévalo, mas pouco depois cada uma tomou o seu caminho. O palentino atribui
a separação das duas rainhas não ao medo de sofrer a vingança do condestável,
mas ao facto de este ter descoberto no
rei uma nova paixão libidinosa pelos abraços da sua prima, a rainha
Leonor». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente
Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos
Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT