A situação de Goa
«(…) Quanto às qualidades intrínsecas à própria cidade, independentemente
de qualquer enquadramento, é necessário frisar que era reconhecida a Goa uma
certa importância político-estratégica por parte dos reinos da Índia, que não
escapou aos portugueses. Eles procuraram rendibilizar esta mesma função e
perceberam que Goa seria a capital
potencial de um império marítimo, porque estava isolada do interior da planície
indo-gangética, através da cordilheira dos Gates. A cidade vivia de costas para
a Índia continental e virada para o oceano Índico. De facto, e numa perspectiva
estritamente geográfica, a cidade beneficiava de um isolamento natural, em dois
planos. A ilha de Tissuari, onde se encontrava a cidade de Goa e as terras a ela adjacentes,
estava situada entre dois braços dos
rios Mandovi e Zuari, o que permitia um certo isolamento, e por isso
mesmo, maiores possibilidades de defesa a eventuais ataques vindos,
respectivamente, do norte e do sul. A leste, face à Índia continental, e em
concreto ao planalto do Decão, beneficiava de igual isolamento, graças à
cordilheira dos Gates ocidentais que constituíam uma verdadeira barreira
natural. João de Barros descrevia a estreita orla marítima que medeia
entre o mar e o vigoroso relevo, como térras
maritimas lançadas ao longo de hua corda de serrania a que elles chamam gate
[...].Tratava-se portanto de uma posição facilmente defensável, por
razões de ordem geográfica.
A existência em Goa de uma
população camponesa maioritariamente hindu veio também reforçar a possibilidade
de os Portugueses aí se estabelecerem. À passividade de grande parte da
população juntou-se o facto de a entrada portuguesa nesse território significar
a emancipação hindu perante o poderio muçulmano. A postura de tolerância, que
Albuquerque preconizou relativamente àquele povo, levava a que os portugueses
conseguissem, à partida, uma margem de vantagem. Além disso, os hindus, por
razões ligadas à própria doutrina da sua religião, não se envolviam nas
actividades comerciais no mar. As grandes viagens marítimas estavam vedadas aos
membros das castas mais altas em quase toda a Índia. Esta condição, de raiz
confessional, tornava os interesses hindus e portugueses perfeitamente
compatíveis. Esta cidade de mercadores, onde se praticava o grande comércio internacional,
estava dotada de um hinterland, povoado de lavradores, que a provia de bons
recursos agrícolas. Damião de Góis descrevia a ilha de Tissuari como
sendo mui fertil de sementeiras,
fructas, aruoredos de palmares, arequaes, e outras aruores, e mui viçosa dortaliças,
fontes, e poços dagoa muito boa, cõ muitas quintãs, pumares, hortas [...]
As terras eram grandes produtoras de arroz. O Canará fornecia outras zonas da
costa ocidental da Índia. Do ponto de vista dos portugueses, o facto de
disporem de terras produtoras de bens alimentares resolvia o problema do
abastecimento às armadas e aos próprios portugueses, fixados no Oriente. No
decorrer do ano de 1510, a cidade
caiu duas vezes nas mãos dos portugueses: primeiro, em 13 de Fevereiro,
ainda durante o governo de Yüsuf Ãdil Khân (Shâh, ou seja, o Sabaio),
houve uma rendição da cidade; depois, a 25 de Novembro do mesmo ano,
deu-se a conquista ao seu filho Ismail Ãdil Shâh (é o nome da dinastia muçulmana
que reinou em Bijapur, um dos reinos que sucedeu ao reino Bahamanida do Decão.
O fundador da dinastia foi Yüsuf Ãdil Khân (1489-1510), primeiro
sultão de Bijapur. O seu filho e sucessor foi Ismail).
A rendição de Goa
Quando Albuquerque, em Fevereiro de 1510, tomou a decisão de avançar para Goa, o que veio a acontecer em 1 de Março de 1510, e conquistar a cidade, desviou-se da sua missão inicial:
dominar o mar Vermelho. Como havia notícia, através de mercadores chegados a
Cochim, a partir de Calecut, de que os rumes preparavam cerca de 20 naus novas,
as forças portuguesas programaram tomar Adém
e depois avançar até ao Suez,
onde se faziam as ditas naus. A finalidade era destruí-las. Este plano
inseria-se numa perspectiva antiga, já traçada no tempo do vice-rei
Francisco Almeida, que visava conseguir o monopólio global da rota das
especiarias. A conquista de Adém
traria aos portugueses o controlo do mar Vermelho e, com ele, a neutralização
do acesso veneziano e egípcio, assim como a ruína da força naval do sultão do
Egipto. Anulados os competidores da rota terrestre, os portugueses teriam boas
condições para se lhes substituir e, eventualmente, abandonar a rota marítima,
comprovadamente mais morosa e também mais dispendiosa». In Catarina Madeira Santos, Goa é
a Chave de toda a Índia. Perfil Político de 1505-1570, colecção Outras Margens,
1999, ISBN 972-8325-96-7.
Para a Ofélia e Álvaro José. Que estejam em Paz.
Cortesia de Outras Margens/JDACT