As Antepassadas Portucalenses (783-1014)
«(…) Animados com a facilidade da conquista, em 989 uma parte do exército islâmico chegou inclusivamente ao coração
do reino. Leão não se salvou da devastação. Montemor e Viseu caíram em mãos dos
muçulmanos. A cidade, que tão unida estava à meninice de alguns infantes leoneses,
perdeu-se. Recuperá-la ia tornar-se quase numa obsessão para a família real. A
escassa capacidade do poder central para fazer frente aos ataques exteriores de
finais do século X iria acentuando as diferenças entre as regiões a norte e a
sul do Minho. Enquanto a zona nortenha se manteria próxima da coroa, as terras
do sul ganhariam cada vez mais autonomia, incentivadas pela posição geográfica
e pelas características orográficas de um território rodeado de montanhas. O
crescimento dessa consciência diferenciada do resto dos territórios do reino
leonês coincidiria com o progressivo enfraquecimento de alguns ramos das
famílias nobres mais antigas, devido à sua forte endogamia.
Apesar de todos os descalabros, o filho e sucessor de Gonçalo Mendes,
o conde Mendo Gonçalves, trisavô
de D. Teresa de Portugal, chegaria a ter uma grande influência na corte.
Com a morte do rei Bermudo II de Leão (951-999), fez valer a sua
proximidade do herdeiro, o pequeno Afonso V (999-1028), bisavô de D. Teresa, o que deu ao
novo rei o apoio dos magnates que giravam à volta dele. O conde Mendo
morreu em 1008, segundo o Chronicon
Lusitano, que dá estritamente a notícia, parece que assassinado, talvez
por ordem de um conde castelhano, tio materno do infante, com o objectivo de
desvincular a coroa da influência portuguesa. Nesse mesmo ano deu-se a
desintegração do refinado califado de Córdova. Os pequenos reinos
independentes, chamados taifas, que ocuparam o seu lugar,
eram vistos como uma presa mais fácil para os cristãos, o que levaria a que
solicitassem ajuda aos mais aguerridos correligionários berberes do norte de África,
os fanáticos almorávidas.
Afonso V de Leão tinha então catorze anos. Ao fazer vinte, em 1014, os documentos da sua chancelaria
mostram-no casado com a sua antiga companheira de infância, D. Elvira Mendes, filha do falecido conde
Mendo e bisavó de D. Teresa de Portugal, a segunda nobre portucalense
desse nome que foi rainha de Leão. Uma vez que a idade dela devia andar próxima
da dele, numa época em que as mulheres costumavam ser muito mais jovens do que
os maridos, poderia pensar-se que os sentimentos podem ter tido tanta
importância como as razões estratégicas naquele casamento. D. Elvira deu ao
marido dois filhos, Sancha e Bermudo.
Neta de uma ‘Rainha Proprietária’ (1014-1072)
Pouco se sabe da infância de Sancha de Leão, avó paterna de D. Teresa.
Apenas que teve por aia uma mulher, de nome D. Fronilde, provavelmente
galaico-portuguesa. A maior parte dos textos espanhóis sobre a história dessa
época chamam galegos aos nascidos nos territórios a sul do Minho, baseando-se
no facto de que estes tinham pertencido ao reino da Galiza. Pelo contrário, são
bem conhecidos os acontecimentos que durante esse período afectaram o futuro reino
da sua neta. Com o laconismo próprio dos anais medievais, o Chronicon
Lusitano assinala que em 1022
os normandos atacaram um castelo que Bermudo tinha em território bracarense. D.
Sancha recordaria esse ano como o da morte da mãe, D. Elvira Mendes, ainda
relativamente jovem, possivelmente de um mau parto, uma das causas principais
da mortalidade das mulheres casadas naquela época.
Enquanto o pai voltava a contrair matrimónio com uma infanta navarra, D.
Sancha permaneceu com a aia, a quem o rei, como agradecimento pelo muito que
teria feito pela filha, outorgou um importante donativo, a carta de couto do
mosteiro de San Esteban de Piavela. Isso consistia num privilégio que
proibia a entrada dos oficiais reais nas suas propriedades e terras, e que
eximia as mesmas do pagamento de certos impostos. Quando atingiu a maioridade, D.
Sancha começou a viver regularmente no mosteiro de São Pelayo de Leão,
agora sob a invocação de São João Baptista, do qual chegaria a ser abadessa,
mas sem votos, segundo um documento posterior. Nele declarava: Eu, Sancha, rainha, apesar de ser a domina do referido mosteiro, no
entanto quero considerar-me entre as freiras e clérigos, como uma de tantos.
Pelo que se conhece da sua conduta posterior, D. Sancha deve ter praticado
pouco a humildade, embora fosse dotada da capacidade de a fingir quando era
necessário. Enquanto fazia os seus primeiros exercícios de poder no mosteiro, o
pai ia impondo um tipo de autoridade que um par de reinados antes não se
conhecia. Aproveitando a dissolução do califado cordovês, Afonso V decidiu dar
um novo impulso à reconquista dos territórios ocidentais, em retrocesso desde as
avançadas de Almançor». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira
Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A
Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.
Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT