terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Guerra. Diplomacia e mapas. A Guerra da Sucessão Espanhola. O Tratado de Utrecht e a América portuguesa na cartografia de D’Anville. Júnia Ferreira Furtado. «As negociações luso-espanholas no Congresso de Utrecht (1712-1715), tendo os ingleses como mediadores, foram custosas e demoradas»

Alcaçovas
Cortesia de wikipedia

A Guerra da Sucessão Espanhola
«(…) O século XVIII iniciou-se e foi marcado pela deflagração da Guerra da Sucessão Espanhola. O conflito, que se estendeu entre 1702 a 1714, envolveu a maioria das nações da Europa ocidental, e foi resultante do confronto entre os Bourbons e os Habsburgos pelo trono da Espanha. Sob seu pano de fundo, no entanto, várias outras questões emergiam: a rivalidade entre a França e a Inglaterra hegemonia mundial, as disputas das nações europeias pelo controle dos espaços coloniais e pelo comércio transoceânico, especialmente os auferidos com o tráfico de escravos. A falta de um herdeiro directo para o trono espanhol levou Carlos II, depois de examinar várias posibilidades de sucessão, a legar a Coroa, em testamento, a Filipe de Bourbon, duque de Anjou, neto de Luís XIV, mas que era também herdeiro presuntivo da França. Em Janeiro de 1701, as cortes espanholas, reunidas em Madrid e Barcelona, reconheceram o duque como seu novo rei, nomeado Filipe V. Preocupados com uma possível união franco-espanhola, pois a sucessão francesa por primogenitura não estava ainda de todo assegurada, Áustria, Inglaterra, Holanda, Suécia, Dinamarca e vários principados alemães estabeleceram, no Tratado de Haia, em Setembro desse mesmo ano, a Grande Aliança. O aumento da tensão entre as partes deflagrou a guerra que se iniciou pelo norte da Itália e, nos 11 anos seguintes, alastrou-se pelos principados alemães, Países Baixos, norte da França e Península Ibérica, envolvendo quase todas as nações do continente.
A posição inicial de Portugal foi favorável à pretensão dos Bourbons. Sob a batuta do então embaixador na França, José Cunha Brochado, em 18 de Junho de 1701, Filipe V foi reconhecido rei de Espanha. Mas, a reacção inglesa foi imediata. Em Setembro do ano seguinte, às instâncias do embaixador John Methuen, esse tratado foi anulado e outro foi estabelecido com a Inglaterra. Seu texto previa que Portugal teria direito a vários territórios na fronteira com a Espanha, na Extremadura e na Galiza, e sobre a Colónia do Sacramento na foz do rio da Prata, o que reflectia seus desejos ex­pansionistas tanto na Europa, quanto na América. Em Dezembro de 1703, solidificando mais ainda a aliança anglo-portuguesa, foi assinado um acordo de comércio, que acabou conhecido sob o nome do embaixador inglês, o Tratado de Methuen. Tanto esse acordo comercial, quanto a aliança defensiva e ofensiva dividiram a elite dirigente portuguesa, o que se reflectiu no Conselho de Estado, que se cindiu entre pró-franceses e pró-ingleses. Luís da Cunha foi um ácido crítico das vantagens comerciais concedidas à Inglaterra.
Como temera Brochado, a mudança de rumo da política externa portuguesa levou o palco da guerra para o seu território, tanto na Europa, quanto em diversas praças do império, especialmente a América. Em Janeiro de 1704, de acordo com Joaquim Veríssimo Serrão:

as tropas franco-espanholas atacaram em força a Beira e o Alentejo, tomando sem resistência Salvaterra, Segura e Zibreira, enquanto Monsanto e Idanha-a-Nova o foram de assalto. (...) Não tardou em cair Castelo Branco, (...) depois Portalegre e Castelo de Vide. Na parte norte do Tejo também Penamacor foi assediada.

Na América, o alvo dos espanhóis foi a Colónia do Sacramento, que havia sido estabelecida em 1680, na margem setentrional do rio da Prata, por uma expedição portuguesa capitaneada por Manoel Lobo, então governador do Rio de Janeiro. Em 1704, o governador de Buenos Aires, Afonso Valdpes Inclán, recrutou suas tropas regulares, auxiliadas por mais 4.000 índios aldeados e, em Outubro, estabeleceu um cerco em torno da fortaleza, que pretendia levar seus moradores à fome e à rendição. Os ataques de artilharia foram intermitentes, até que, em Março de 1705, o governador Sebastião Veiga Cabral abandonou a fortaleza, levando as tropas portuguesas ali aquarteladas, os moradores civis, além das armas e munições que conseguiu embarcar na esquadra que foi enviada para resgatá-los. As negociações luso-espanholas no Congresso de Utrecht (1712-1715), tendo os ingleses como mediadores, foram custosas e demoradas. No que dizia respeito à Europa, Portugal e Espanha basicamente devolveram uma à outra as praças conquistadas. Quanto à América, versaram não só sobre a questão da Colónia do Sacramento, que foi devolvida aos portugueses, mas também sobre a restituição de navios portugueses que haviam sido presos em Buenos Aires, acusados de contrabando». In Júnia Ferreira Furtado, Guerra, Diplomacia e mapas, a Guerra da Sucessão Espanhola, o Tratado de Utrecht e a América portuguesa na cartografia de D’Anville, revista Topoi, v. 12, nº 23, 2011.

Cortesia de Topoi/JDACT