Neta de uma ‘Rainha Proprietária’ (1014-1072)
«(…) Os historiadores que estudaram este período concordam em afirmar
que a designação de Afonso VI (1040-1109), pai de Teresa, como rei de Leão, se
deveu ao favoritismo de Fernando I, uma vez que sendo o território mais
importante e prestigioso do Império,
herdeiro da antiga monarquia asturiana-leonesa, foi parar às mãos do seu
segundo filho varão e não ao primogénito. Contudo, não parece ter sido
considerada suficientemente a importância que nisso teve a mulher de Fernando,
pois ao fim e ao cabo era ela a rainha
proprietária de Leão. Com a excepção da Galiza, o pai de Teresa recebeu a
parte do reino que Sancha tinha herdado do seu pai. Algo não muito diferente
aconteceria com Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, relativamente a
Teresa, uma vez que herdaria esses territórios da mãe. Não seria a única vez
que o futuro Afonso VI de Leão e Castela seria favorecido por uma mulher. Ao
longo da sua vida, várias notáveis representantes do género feminino o
ajudariam a conseguir atingir importantes metas. À sua maneira, e na medida em
que a sua época o consentia, tentaria sempre beneficiá-las também.
Os filhos de Fernando I conseguiram manter a paz, ainda num ambiente de
fortes tensões, depois da morte do rei, em 1065.
Mas após o falecimento da rainha Sancha, em 1067, os varões começariam a brigar entre si, o que demonstra o
ascendente que ela tinha sobre os filhos. Em Outubro de 1072, o primogénito, Sancho, foi assassinado de surpresa às mãos de
um escudeiro quando ia encontrar-se com o seu irmão Afonso. Aconteceu em Zamora,
cidade que a irmã, a infanta Urraca, tinha recebido em herança como parte dos
bens que faziam parte do infantado. Parece que Sancho tinha cometido a torpeza
de atacar Urraca nessas terras, das quais ela se denominava regina. Correram boatos de que
essa morte se tinha produzido com a cumplicidade da infanta, algo pouco
provável pois o mediador desse encontro foi o abade Hugo de Cluny, uma ordem
religiosa interessada no poder e na riqueza, mas com fins espirituais, e que
nunca mancharia as mãos em crimes de sangue. Da mesma forma, alguns rumores
insinuaram a possibilidade de Afonso cometer incesto com a sua irmã Urraca, tal
era a devoção que ela sentia por esse irmão mais novo. Mais difícil de
explicar, contudo, é a participação da infanta Urraca na detenção do seu irmão
Garcia, a quem ela convenceu a que fosse fazer as pazes com o irmão a Leão,
onde o benjamim da família seria feito prisioneiro. Desta forma, o último rei
da Galiza em sentido estrito acabaria encerrado num castelo aos pés do rio Luna.
Ali passaria o resto da sua vida, numa pequena sala quadrada cavada na rocha e
com as grilhetas nos pés, segundo o Cronicón Compostelano.
Afonso VI, o rei das cinco esposas e duas concubinas (1073-1085)
Em 1073 foi elevado ao
pontificado um antigo monge cluniacense. O papa Gregório VII teria uma grande
importância nos acontecimentos que rodearam o nascimento da primeira rainha
de Portugal. Era dotado de uma intransigência como não se conhecia há
muito tempo, mas também de uma autêntica humildade, quando a ocasião o exigia. Este
filho de artesãos, nascido numa povoação a norte de Roma, marcaria presença
desde o primeiro momento. Logo que subiu ao trono de Pedro declarou que a sua
intenção era limpar a Igreja Ibérica dos ressabiamentos das diferentes heresias,
da de Árrio à de Prisciliano, as quais, segundo o pontífice, tinham manchado o
cristianismo peninsular. Também não lhe agradava o moçarabismo dos cristãos
desses lares, consequência da convivência com a religião muçulmana durante os
últimos trezentos anos. Gregório VII considerou que uma das melhores formas de
purificar a grei ibérica era eliminando o rito moçárabe ou visigodo e substituindo-o
pelo latino ou romano, já consolidado na maior parte do Ocidente europeu. Afonso
VI compreendeu que se colaborasse com o papa na aplicação da reforma da Igreja
seria facilitada a reconquista das terras que ainda permaneciam em mãos
islâmicas, de modo que incentivou a entrada dos monges cluniacenses
responsáveis por levá-la avante». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira
Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A
Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.
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