terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A Primeira Rainha de Portugal. Dona Teresa. Marsilio Cassotti. «Com a excepção da Galiza, o pai de Teresa recebeu a parte do reino que Sancha tinha herdado do seu pai. Algo não muito diferente aconteceria com Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, relativamente a Teresa, uma vez que herdaria esses territórios da mãe»

jdact

Neta de uma ‘Rainha Proprietária’ (1014-1072)
«(…) Os historiadores que estudaram este período concordam em afirmar que a designação de Afonso VI (1040-1109), pai de Teresa, como rei de Leão, se deveu ao favoritismo de Fernando I, uma vez que sendo o território mais importante e prestigioso do Império, herdeiro da antiga monarquia asturiana-leonesa, foi parar às mãos do seu segundo filho varão e não ao primogénito. Contudo, não parece ter sido considerada suficientemente a importância que nisso teve a mulher de Fernando, pois ao fim e ao cabo era ela a rainha proprietária de Leão. Com a excepção da Galiza, o pai de Teresa recebeu a parte do reino que Sancha tinha herdado do seu pai. Algo não muito diferente aconteceria com Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, relativamente a Teresa, uma vez que herdaria esses territórios da mãe. Não seria a única vez que o futuro Afonso VI de Leão e Castela seria favorecido por uma mulher. Ao longo da sua vida, várias notáveis representantes do género feminino o ajudariam a conseguir atingir importantes metas. À sua maneira, e na medida em que a sua época o consentia, tentaria sempre beneficiá-las também.
Os filhos de Fernando I conseguiram manter a paz, ainda num ambiente de fortes tensões, depois da morte do rei, em 1065. Mas após o falecimento da rainha Sancha, em 1067, os varões começariam a brigar entre si, o que demonstra o ascendente que ela tinha sobre os filhos. Em Outubro de 1072, o primogénito, Sancho, foi assassinado de surpresa às mãos de um escudeiro quando ia encontrar-se com o seu irmão Afonso. Aconteceu em Zamora, cidade que a irmã, a infanta Urraca, tinha recebido em herança como parte dos bens que faziam parte do infantado. Parece que Sancho tinha cometido a torpeza de atacar Urraca nessas terras, das quais ela se denominava regina. Correram boatos de que essa morte se tinha produzido com a cumplicidade da infanta, algo pouco provável pois o mediador desse encontro foi o abade Hugo de Cluny, uma ordem religiosa interessada no poder e na riqueza, mas com fins espirituais, e que nunca mancharia as mãos em crimes de sangue. Da mesma forma, alguns rumores insinuaram a possibilidade de Afonso cometer incesto com a sua irmã Urraca, tal era a devoção que ela sentia por esse irmão mais novo. Mais difícil de explicar, contudo, é a participação da infanta Urraca na detenção do seu irmão Garcia, a quem ela convenceu a que fosse fazer as pazes com o irmão a Leão, onde o benjamim da família seria feito prisioneiro. Desta forma, o último rei da Galiza em sentido estrito acabaria encerrado num castelo aos pés do rio Luna. Ali passaria o resto da sua vida, numa pequena sala quadrada cavada na rocha e com as grilhetas nos pés, segundo o Cronicón Compostelano.

Afonso VI, o rei das cinco esposas e duas concubinas (1073-1085)
Em 1073 foi elevado ao pontificado um antigo monge cluniacense. O papa Gregório VII teria uma grande importância nos acontecimentos que rodearam o nascimento da primeira rainha de Portugal. Era dotado de uma intransigência como não se conhecia há muito tempo, mas também de uma autêntica humildade, quando a ocasião o exigia. Este filho de artesãos, nascido numa povoação a norte de Roma, marcaria presença desde o primeiro momento. Logo que subiu ao trono de Pedro declarou que a sua intenção era limpar a Igreja Ibérica dos ressabiamentos das diferentes heresias, da de Árrio à de Prisciliano, as quais, segundo o pontífice, tinham manchado o cristianismo peninsular. Também não lhe agradava o moçarabismo dos cristãos desses lares, consequência da convivência com a religião muçulmana durante os últimos trezentos anos. Gregório VII considerou que uma das melhores formas de purificar a grei ibérica era eliminando o rito moçárabe ou visigodo e substituindo-o pelo latino ou romano, já consolidado na maior parte do Ocidente europeu. Afonso VI compreendeu que se colaborasse com o papa na aplicação da reforma da Igreja seria facilitada a reconquista das terras que ainda permaneciam em mãos islâmicas, de modo que incentivou a entrada dos monges cluniacenses responsáveis por levá-la avante». In Marsilio Cassotti, D. Teresa, A Primeira Rainha de Portugal, Prefácio de G. Oliveira Martins, Attilio Locatelli, A Esfera dos Livros, 2008, ISBN 978-989-626-119-1.

Cortesia da Esfera dos Livros/JDACT