quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Poesia no 31. Fernando Pessoa. Ricardo Reis. Alberto Caeiro. Álvaro de Campos. «Pode ser que nos guie uma ilusão; a consciência, porém, é o que nos guia. Não sou assediado pela consciência, mas sim consciência do ser. A consciência é o maior prodígio da inconsciência»

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O passado é o presente na lembrança
«Se recordo quem fui, outrem me vejo,
e o passado é o presente na lembrança.
Quem fui e alguém que amo
porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
não é de mim nem do passado visto,
senão de quem habito
por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
minha mesma lembrança é nada, e sinto
que quem sou e quem fui
são sonhos diferentes».

Cansa sentir quando se pensa
Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
há uma solidão imensa
que tem por corpo o frio do ar.

Neste momento insone e triste
em que não sei quem hei de ser,
pesa-me o informe real que existe
na noite antes de amanhecer.

Tudo isto me parece tudo.
E é uma noite a ter um fim
um negro astral silêncio surdo
e não poder viver assim.

(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
mundo mudo, silêncio mudo
ah, nada é isto, nada é assim!)»


Sempre que penso uma coisa, traio-a
«Sempre que penso uma coisa, traio-a.
Só tendo-a diante de mim devo pensar nela.
Não pensando, mas vendo,
não com o pensamento, mas com os olhos.
Uma coisa que é visível existe para se ver,
e o que existe para os olhos não tem que existir
para o pensamento;
só existe verdadeiramente para o pensamento
e não para os olhos.

Olho, e as coisas existem.
Penso e existo só eu».

Não estou pensando em nada
Não estou pensando em nada
e essa coisa central, que é coisa nenhuma,
é-me agradável como o ar da noite,
fresco em contraste com o verão quente do dia,
não estou pensando em nada, e que bom!

Pensar em nada
É ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada
é viver intimamente
o fluxo e o refluxo da vida...
Não estou pensando em nada.
E como se me tivesse encostado mal.
Uma dor nas costas, ou num lado das costas,
há um amargo de boca na minha alma:
é que, no fim de contas,
não estou pensando em nada,
mas realmente em nada,
Em nada...»
Poemas de Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis)

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