sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Monarcas Infelizes Carlos I Inglaterra. «Prefiro ter a meu lado um capitão modesto e vestido humildemente como camponês, mas que saiba por que combate e que ame a sua causa, a ter aquele a que chamam gentil-homem e que nada mais é»

Cortesia de wikipedia e jdact

Neto de Maria Stuart. Decapitado pelo Parlamento inglês
«(…) Um chefe destes últimos rapidamente se distinguiu, entre os restantes, pelo seu valor e pela clara visão das coisas que manifestava: Oliver Cromwell.
Carlos I, obstinadamente, preferiu a luta ao acordo embora, porque era inteligente, pensando talvez que estava perdido. Isso fê-lo errar de terra em terra, incógnito algumas vezes, para se escapar a qualquer possível atentado, e sempre à mercê das circunstâncias da guerra em que se empenhava. Como havia sucedido a sua avó, anos antes. Um dos seus mais valiosos auxiliares, Que soube operar prodígios, era o seu sobrinho Roberto, que algumas vezes nos combates em terra, mas a maior parte sobre as águas, prestou ao tio os mais assinaláveis serviços, assim como o outro sobrinho, Maurício, ambos príncipes do Palatinado. Mas então, já então, como agora, como em todos os tempos, era o dinheiro o principal nervo motor da guerra, e o dinheiro faltava a Carlos, porque as regiões que se lhe conservavam fiéis eram precisamente as menos produtivas do reino, portanto as mais pobres. Ao invés, os Cabeças Redondas, dominando Londres e outras ricas regiões, não tinham essa decisiva desvantagem, e isso presenteou-os com o triunfo final. Eram homens rudes, hirsutos, os Cabeças Redondas e sabiam por que combatiam, pelo Parlamento contra o rei. Ao contrário, os Cavaleiros eram quase todos recrutados entre as castas mais elevadas e, porque se reconheciam de mais alta classe social, troçavam daqueles, do seu aspecto, da sua indumentária, da sua rudeza. Tal facto fez Cromwell comentar num desabafo: Prefiro ter a meu lado um capitão modesto e vestido humildemente como camponês, mas que saiba por que combate e que ame a sua causa, a ter aquele a que chamam gentil-homem e que nada mais é. Respeito, decerto, o gentil-homem. Pode ser que provoque o riso ver homens humildes feitos capitães de cavalaria. No entanto, como era necessário que a obra se fizesse, mais valia indivíduos humildes do que nenhuns.
Foi, porém, com homens assim que Cromwell ganhou aos realistas as batalhas de Newbury (1643), Marston-Mor (1644) e Nasaley (1645), decisivas para a contenda. Uma grande desintegração moral minava as forças de Carlos, que, na Escócia, por onde vagueava, se encontra com sua mulher em Exeter, que também ali estava provisoriamente refugiada. Ele apareceu na frente da rainha, pálido, desfigurado, extenuado, figura comovente de desespero. Estava cansado de lutas e da má sorte que já lhe tinha arrebatado os filhos e persistia em persegui-lo. Na noite desse dia deu os últimos beijos e abraços na esposa, não calculando que nunca mais tornariam a ver-se. Desse derradeiro encontro nasceu, nove meses depois, a princesa Henriqueta de Inglaterra, que com o irmão, também Carlos como o pai, este, primogénito, reinaria, mais tarde, na Inglaterra com o nome de Carlos II, casado com a princesa Catarina, de Portugal, havia de dar continuidade ao trágico apelido dos Stuarts.
O monarca, perseguido, voltou aos campos de batalha, enquanto Henriqueta-Maria, abandonando, por sua vez, Exeter, atravessaria os mares a mendigar socorros e a oferecer jóias aos usurários para arranjar dinheiro, a fim de que o marido pudesse solver os compromissos com o seu exército. Inutilmente, contudo, pois não tardou que Carlos ficasse aprisionado, entregue pelos escoceses aos Independentes. Nem mesmo assim a situação geral do país melhorou. Intrigas de toda a espécie, operações militares, golpes de Estado, embaraçam a acção do Parlamento. A nação debate-se, agora, em quatro partidos, todos tendentes à supremacia no poder, o do Parlamento, o do rei cativo, o do Exército e o de Cromwell, que tinha por parceiros Fairfaix e Ludlow. Nenhum deles, todavia, possuía a necessária coragem para enfrentar o complexo problema da tolerância religiosa, tão necessária a um país dividido em diversos credos. O Parlamento cometeu alguns erros, que o indispuseram com a nação. Cromwell esforça-se por manter o Exército obediente às Câmaras, mas a luta entre os dois poderes, enfraquecendo-os, revigora a posição política do rei, que, aliás, continua cativo». In Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10, Lisboa, s/d.

Cortesia de Livraria Clássica Editora/JDACT