Neto de Maria Stuart. Decapitado pelo Parlamento inglês
«(…) Um chefe destes últimos rapidamente se distinguiu, entre os restantes,
pelo seu valor e pela clara visão das coisas que manifestava: Oliver Cromwell.
Carlos I, obstinadamente, preferiu a luta ao acordo embora, porque era
inteligente, pensando talvez que estava perdido. Isso fê-lo errar de terra em
terra, incógnito algumas vezes, para se escapar a qualquer possível atentado, e
sempre à mercê das circunstâncias da guerra em que se empenhava. Como havia
sucedido a sua avó, anos antes. Um dos seus mais valiosos auxiliares, Que soube
operar prodígios, era o seu sobrinho Roberto, que algumas vezes nos combates em
terra, mas a maior parte sobre as águas, prestou ao tio os mais assinaláveis
serviços, assim como o outro sobrinho, Maurício, ambos príncipes do Palatinado.
Mas então, já então, como agora, como em todos os tempos, era o dinheiro o
principal nervo motor da guerra, e o dinheiro faltava a Carlos, porque as regiões
que se lhe conservavam fiéis eram precisamente as menos produtivas do reino,
portanto as mais pobres. Ao invés, os Cabeças
Redondas, dominando Londres e outras ricas regiões, não tinham essa
decisiva desvantagem, e isso presenteou-os com o triunfo final. Eram homens
rudes, hirsutos, os Cabeças Redondas
e sabiam por que combatiam, pelo Parlamento contra o rei. Ao contrário, os Cavaleiros eram quase todos recrutados
entre as castas mais elevadas e, porque se reconheciam de mais alta classe social,
troçavam daqueles, do seu aspecto, da sua indumentária, da sua rudeza. Tal
facto fez Cromwell comentar num desabafo: Prefiro
ter a meu lado um capitão modesto e vestido humildemente como camponês, mas que
saiba por que combate e que ame a sua causa, a ter aquele a que chamam
gentil-homem e que nada mais é. Respeito, decerto, o gentil-homem. Pode ser que
provoque o riso ver homens humildes feitos capitães de cavalaria. No entanto,
como era necessário que a obra se fizesse, mais valia indivíduos humildes do
que nenhuns.
Foi, porém, com homens assim que Cromwell ganhou aos realistas as
batalhas de Newbury (1643), Marston-Mor (1644)
e Nasaley (1645), decisivas para a contenda. Uma grande desintegração
moral minava as forças de Carlos, que, na Escócia, por onde vagueava, se
encontra com sua mulher em Exeter, que também ali estava provisoriamente
refugiada. Ele apareceu na frente da rainha, pálido, desfigurado, extenuado, figura
comovente de desespero. Estava cansado de lutas e da má sorte que já lhe tinha
arrebatado os filhos e persistia em persegui-lo. Na noite desse dia deu os
últimos beijos e abraços na esposa, não calculando que nunca mais tornariam a
ver-se. Desse derradeiro encontro nasceu, nove meses depois, a princesa
Henriqueta de Inglaterra, que com o irmão, também Carlos como o pai, este,
primogénito, reinaria, mais tarde, na Inglaterra com o nome de Carlos II,
casado com a princesa Catarina, de Portugal, havia de dar continuidade ao
trágico apelido dos Stuarts.
O monarca, perseguido, voltou aos campos de
batalha, enquanto Henriqueta-Maria, abandonando, por sua vez, Exeter,
atravessaria os mares a mendigar socorros e a oferecer jóias aos usurários para
arranjar dinheiro, a fim de que o marido pudesse solver os compromissos com o
seu exército. Inutilmente, contudo, pois não tardou que Carlos ficasse
aprisionado, entregue pelos escoceses aos Independentes.
Nem mesmo assim a situação geral do país melhorou. Intrigas de toda a espécie,
operações militares, golpes de Estado, embaraçam a acção do Parlamento. A nação
debate-se, agora, em quatro partidos, todos tendentes à supremacia no poder, o
do Parlamento, o do rei cativo, o do Exército e o de Cromwell, que tinha por
parceiros Fairfaix e Ludlow. Nenhum deles, todavia, possuía a necessária
coragem para enfrentar o complexo problema da tolerância religiosa, tão necessária
a um país dividido em diversos credos. O Parlamento cometeu alguns erros, que o
indispuseram com a nação. Cromwell esforça-se por manter o Exército obediente
às Câmaras, mas a luta entre os dois poderes, enfraquecendo-os, revigora a
posição política do rei, que, aliás, continua cativo». In
Américo Faria, Dez Monarcas Infelizes, Livraria Clássica Editora, colecção 10,
Lisboa, s/d.
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