Viagem
«Quisera
ser a gaivota que livre voa,
ou
o vento que apressado corre…
Quisera
ser o mar que longínquo ecoa,
e
o lírio silvestre que cortado morre.
Tudo
é etéreo cercado de espuma,
tudo
é passante na terra que gira,
tudo
envolto em nuvens de bruma,
no
som distante de uma velha lira.
Tudo
no mundo é uma coisa linda,
e
ninguém sabe como lá chegar,
e
para lá dessa coisa ainda,
há
muito mais para desbravar.
Alguém
escreveu a verdade na areia,
e
o mar, cioso, depressa apagou
para
que o homem sue o que semeia,
e
vá parir com dor o que a terra gerou.
Comerás
o pão com o suor do teu rosto
ficou
escrito nas tábuas da lei,
a
uma esperança segue-se um desgosto,
porque
a desdita não poupa ninguém.
Quisera
servir este mundo louco,
me
ofertar tudo com amor total,
mas
e que eu dê é sempre tão pouco,
e
a intolerância um terrível mal.
Eu
me esforço de corpo inteiro,
que
os outros possam tudo aproveitar,
depois
me lancem a um braseiro,
a
um fogo vivo a purificar.
Olhando
as cinzas, na mão aberta,
deixa
que o vento as vá espalhar,
é
que na morte redescoberta,
uma
outra vida começa a brotar.
Não
chorem, loucos, que não morri!
Passei
na vida sempre a viajar,
é
preciso que haja uma morte aqui,
para
que a vida possa renovar.
Eu
sei que fica uma lembrança querida,
longa
saudade da separação,
mas
é na morte que se gera a vida,
e
o desespero é uma oração.
E
sou a gaivota que livre voa,
e
a giesta de Maio em flor,
e
sou o mar que, em verde, ecoa,
compondo
a nova dimensão do amor».
Poema de Maria Mar Carvalho, in ‘Lágrimas de Ametista, 1989’
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