Resumo
«O objectivo do presente
artigo é reflectir acerca da crítica de Nietzsche à metafísica, como também do
deslocamento que a sua filosofia promove de uma perspectiva metafísica para uma
perspectiva estética de ver o mundo. Ao contrário da interpretação Heidegger,
para quem Nietzsche seria o último dos metafísicos, pretende-se, pensar
Nietzsche como um intempestivo crítico da metafísica, como instaurador de uma compreensão
de filosofia enquanto uma visão poético-conceitual acerca do mundo».
Da Seriedade dos Filósofos à Inocência do Artista-criança
«Para Nietzsche, o conceito de metafísica
está ligado a ideia de que há dois mundos: o
inteligível e o sensível. Metafísica tem a ver com a dualidade do mundo e com a
superioridade do mundo inteligível, verdadeiro (relacionado à ideia de razão) sobre
o mundo da aparência. Metafísica tem a ver com a oposição de valores. Embora geralmente essa dualidade
seja atribuída a Platão e depois ao cristianismo, na óptica de Nietzsche, quem
primeiro pensou essa dualidade foi Anaximandro ao elaborar a oposição entre o Ápeiron
e o mundo temporal (mundo de todas as coisas marcado pelo devir).
Ele seria o primeiro filósofo pessimista. O mundo do devir é marcado
pela morte, pela decomposição. O que caracteriza o devir é o
desaparecer. E se há a morte é porque há a culpa. Na leitura que Nietzsche faz
de Anaximandro, segundo este último, haveria uma injustiça: se morremos é
porque somos culpados. Entretanto, Nietzsche escolhe Sócrates como um
reconhecido entre os sábios, como um emblema para figurar essa dualidade. Quando Sócrates toma o veneno e pede que se
ofereça sacrifício a Asclépio (deus da medicina) é um gesto de celebração de quem
está se curando de uma doença que é a própria vida. Platão afirmava que a filosofia
era uma preparação para a morte. Por isso, para Nietzsche, a filosofia, desde Sócrates
ou mesmo antes dele (com Anaximandro) é a filosofia da decadência: tratou a realidade
como dual (mundo inteligível e mundo sensível). O juízo de que a vida não tem
valor era um sintoma dessa decadência. Nietzsche se posiciona como uma espécie
de psicólogo: quer interpretar, captar o sintoma. Nesse aspecto, para ele, toda
a filosofia é uma espécie de biografia. Toda a teoria filosófica mostra quem a
elaborou. Lê a filosofia como um sintoma. Convida-nos a olharmos Sócrates e
Platão de perto. Observar o aspecto fisiológico do pensamento deles: constatar
a sua fraqueza. O pensamento socrático-platónico é decadente porque a equação
razão = virtude = felicidade = verdade = beleza
não existia no mundo grego.
A virtude não é a moral, mas tem a ver com o
vigor. A virtude é fisiológica: virtuoso é o que desenvolve ao máximo as suas
potencialidades. Ser virtuoso é estar no máximo, e não, ser racional.
Para Nietzsche, a razão é pensamento que demonstra sua verdade através de argumentos
e isso tem a ver com a dialéctica socrática. Ele responsabiliza Sócrates por
introduzir na filosofia a necessidade de provar com argumentos lógicos o que se
está afirmando. Entretanto, Nietzsche não acredita que argumentos lógicos provem
alguma coisa. Enquanto que os pré-socráticos não desqualificavam outras formas
de ver o mundo: a intuição, a religião,
segundo Nietzsche, é a partir de Sócrates que outras formas de ver o mundo,
além da razão, é desqualificada. Para
Nietzsche, o socratismo é a crença na razão. Crença em que só a razão é capaz
de fundamentar a verdade, o conhecimento. Crença de que a intuição é incapaz de
sustentar o conhecimento. Nietzsche vê em Sócrates essa nova forma de
pensar que elege a razão, exclusivamente a razão, como possibilidade de
conhecer. Há um desprezo pelo elemento místico e estético em nome de uma
verdade exclusivamente racional. Sócrates pecava
por sua excessiva lucidez, pelo seu excesso de perguntas. Como destaca Fernanda
Bulhões:
- Se Nietzsche fez de Sócrates um homem símbolo do socratismo foi porque, em sua óptica, ninguém mais e melhor do que Sócrates encarnou essa nova maneira de ser absurdamente racional. Sócrates, o dialético superior, o grande vitorioso dos combates teóricos altamente elaborados da época, foi o primeiro que não só dedicou sua vida a busca incessante do conhecimento como esse seu desenfreado impulso lógico foi a razão de sua morte.
No Crepúsculo dos Ídolos, mais
precisamente em O problema de Sócrates,
Nietzsche traz à tona um Sócrates plebeu que age reactivamente ao vencer a
aristocracia pelo argumento. Sócrates ao aproveitar-se do espírito agonístico (de
disputa) dos gregos, inventou um outro tipo de disputa: disputa da palavra.
O corpo de Sócrates é fraco, e por isso ele precisa provar, preservar-se. O
forte é o que se expande e não se preocupa em se preservar. Embora a
necessidade de definir, demonstrar por argumentos o que se está se dizendo,
tenha vindo na filosofia com Sócrates, este nunca demonstrou, sempre quis que
os outros parissem a verdade». In Benjamim
Julião Góis Filho, Nietzsche. Da Metafísica à uma Filosofia Estética, ou Da Seriedade
dos Filósofos à Inocência do Artista-criança, PPGFIL, UFRN, Crepúsculo dos
ídolos, ou, como se filosofa com o martelo, Companhia das Letras, 2006, Wikipédia.
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