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O Tempo de Meu Pai
«(…) O juramento do
casamento era tão sagrado como o do legionário ao seu chefe? A
fidelidade que a minha mãe guardava à recordação do seu marido fazia-me
suspeitar que, pelo menos algumas vezes, podia ser assim. No meu devaneio, as
palavras da minha mãe continuavam a chegar até mim: Morto Augusto, dizia-se-lhes que Tibério César era agora o seu imperator.
Também muitos o conheciam. Sabiam que era bravo no combate e um bom general.
Mas o quê? Também ele era um velho. Com mais de cinquenta e seis anos, numa
idade em que, há já muito tempo, um cidadão não é convocado para o recrutamento,
como podia ele ser esse companheiro de armas que eles desejavam? Havia muito
tempo que ele não deixava a cidade. Cada vez que anunciava a intenção de ir ter
com os exércitos, esquivava-se quando chegava o momento de o fazer. Eles tinham
necessidade de um chefe que soubesse ouvi-los e que com seus olhos fosse
testemunha dos sofrimentos deles. Ah, certamente, Germânico sabia bem
compreender os seus homens. Ele tinha consciência do fascínio que exercia sobre
eles. Devia-o, como sabes, tanto ao seu prestígio pessoal como à recordação do
seu pai, Druso, que as legiões jamais haviam esquecido. E depois, havia também nele
qualquer coisa do seu avô, António, que durante alguns anos, tivera um destino
real… Percebi, mais ou menos, que os soldados haviam proposto a meu pai
fazê-lo imperador, sem que as razões me fossem completamente claras. Levada
pelas recordações, a minha mãe contou-me então como Germânico imaginara uma
saída para a situação, na qual um e outro tinham sido postos.
Como sabes, dizia
ela, eu estava no acampamento, durante esses dias difíceis. Estava com o teu
irmão Caio, e esperava o teu nascimento. Tu serias o meu quinto filho, normalmente,
tomamos tantas precauções em circunstâncias semelhantes! Não seria perigoso
para mim permanecer no meio de
soldados amotinados? Soldados esses que Germânico sabia amarem-nos bem.
Tinham um carinho especial por Caio. Haviam-no alcunhado de pequena sandália, tal era a satisfação
por o verem vestido como eles. Tudo aquilo me tranquilizava. Germânico fez-me
ver que era possível um acidente, que, por muito popular que ele fosse, esse
sentimento podia não ser partilhado por todos. Recordou-me como tivera um
exemplo disso antes da sua chegada ao acampamento de Colónia. Quando os
soldados se ofereceram para o proclamar imperador, ele que conhecia bem Tibério
e sabia o perigo que isso podia representar para o Estado, dois imperadores
simultâneos era o risco de uma guerra civil, deu a entender que se suicidaria,
preferindo a morte ao simples pensamento de uma traição. Retirou a sua espada e
deixou, sem se fazer muito rogado, que os seus amigos que o acompanhavam lhe
segurassem o braço. A maioria dos soldados presentes aplaudiu. Todavia, houve
um que ousou aproximar-se de Germânico e estendeu-lhe uma espada desembainhada,
dizendo-lhe que estava mais afiada do que
a sua. Ao contar a cena, Germânico acrescentou uma expressão que me marcou,
e com a qual aprendi, ao longo da minha vida, a compreender a verdade. Um exército, disse ele tem uma só alma, a que se lhe impõe. É para
isso que serve a disciplina. Em tempo de rebelião, as almas revelam-se,
exprimem o que são, e então tudo é possível.
Como vês, disse a minha mãe, era preciso ser prudente e esse
foi o pretexto que ele teve para levar o drama ao fim que desejava, e que
convinha. Aparentemente, a maioria das unidades voltou ao cumprimento do dever.
Todavia, ele fingiu pensar que essa calma podia ser enganadora e que era
prudente pôr-me em segurança, assim como a Caio e a ti mesma, tu que ainda nem
havias nascido! Encenou tudo. Um cortejo de carros acompanhar-nos-ia, a mim,
juntamente com Caio, assim como às mulheres e filhos dos outros oficiais
superiores que formavam o seu estado-maior». In Pierre Grimal, Memórias de
Agripina, Lyon Edições, Romances Históricos, 2000, ISBN 972-8461-51-8.
Cortesia Lyon E./JDACT