A introdução da Inquisição
«(…) Os tribunais peninsulares da Inquisição (maldita), estabelecidos em Espanha em 1478 e em Portugal em 1536,
afastaram-se radicalmente do sentido e da prática das primeiras acções inquisitoriais
medievais. Com efeito, o que presidiu à criação do Santo Ofício (maldito) nos Estados ibéricos foi a presença
judaica e a cobiça dos seus bens e fazendas. A atitude papal, quer em relação à
Espanha, quer em relação a Portugal, não deixa dúvidas quanto à convicção
pontifícia de que os reis ibéricos pretenderiam apossar-se dos bens dos crentes
na Lei de Moisés. Mas a história da Inquisição (maldita)
é muito anterior às modernas inquisições ibéricas. O zelo cristão que estaria na origem da criação da Inquisição (maldita) medieval já continha em si o gérmen
da intolerância religiosa que vingaria na Península Ibérica nos séculos XV e (sobretudo)
XVI. Foi isso mesmo que aconteceu em relação aos regulamentos da Inquisição (maldita). O concílio provincial de Béziers, realizado
após o concílio geral de Lyon (1245), por ordem de Inocêncio IV,
estabeleceu o regulamento inquisitorial sobre o modo de proceder contra os
hereges, que serviria de modelo para as modernas Inquisições ibéricas. Ali se
podem encontrar a obrigação de denúncia de suspeitos de heresia, o anonimato das
testemunhas, a aceitação de acusadores e denunciantes desqualificados
(criminosos e infames), a possibilidade de condenação dos mortos, o confisco de
bens, a destruição das casas onde se acolhiam os réus.
Quanto à Península Ibérica, a Inquisição (maldita)
havia entrado desde os primórdios do domínio cristão e Aragão foi palco das
suas crueldades. Castela já a conheceria em 1236, facto atestado por uma bula dirigida ao bispo de Palência. As
nomeações de inquisidores dominicanos exclusivamente para Aragão, permite-nos
crer que só aí existiriam permanentemente no século XIII. Em Portugal não teria
entrado a Inquisição primitiva, o que é corroborado pela rejeição de Afonso II às
tentativas do dominicano Sueiro Gomes de lançar os fundamentos inquisitoriais
no território luso, que as Cortes de 1211
regulamentariam, atribuindo aos prelados diocesanos as penalidades contra os
hereges. Embora não haja indícios da sua acção no reinado de Dinis I, eventualmente
existiriam inquisidores no nosso território no início do século XIV de acordo
com uma bula contra os Templários de Clemente V àquele rei português e com uma
outra, de 1376, através da qual o
papa Gregório XI incumbia Agapito Colonna, bispo de Lisboa, de nomear
inquisidor um franciscano, visto não
haver inquisidores neste país. Recaiu essa escolha em frei Martim Vasques,
o primeiro inquisidor português
confirmado. Os seus sucessores foram os franciscanos frei Rodrigo
Cintra (1394) e frei Afonso Alprão (1413) e o
dominicano frei Vicente Lisboa (1401). Contudo, não existem
provas documentais de que a acção destes inquisidores franciscanos e
dominicanos tenham assumido actos violentos ou sanguinários em Portugal, que
resumiu a presença da Inquisição (maldita)
à nulidade no século XIV e à ridicularia
fradesca no século XV ao contrário do que estava a suceder em Espanha,
depois de se ter circunscrito a Aragão no início. Mas, mesmo na vizinha Espanha,
só em finais do século XV se pode considerar o efectivo estabelecimento de um
tribunal permanente.
A partir da década de 80 do século XV, alguns sinais de instabilidade
vêm perturbar a relativa tolerância que predominava. Com efeito, as alterações
da política oficial na vizinha Espanha quanto aos judeus originaram uma
inversão de atitudes desde os massacres de 1391,
passando pelos estatutos da pureza de sangue",
aprovados em Toledo em 1449, até, à
instalação da Inquisição (maldita) em 1478, que culminaria com a expulsão de 1492. Portugal não poderia ficar
incólume à nova situação criada às comunidades judaicas vizinhas. O fluxo
migratório para Portugal verificado na sequência dos acontecimentos espanhóis
de 1391 e das décadas de 80 e 90
atingiriam o equilíbrio instável que se vivia no nosso país desde meados do
século XV, agudizando a situação, favorecendo as instigações clericais no seio
da população, sempre disposta a exorcizar os seus fantasmas, projectando as
suas angústias num qualquer bode expiatório que estivesse mais à medida das
explicações intolerantes dos interessados em trazer para o nosso reino o péssimo
exemplo castelhano». In Breve História dos Judeus em Portugal,
Jorge Martins, Nova Vega, colecção Sefarad, 2011, ISBN 978-972-699-920-1.
Cortesia de Nova Vega/JDACT