quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Política Social. Pobreza e Eclusão Social. Pobreza Absoluta em Portugal. Margarida Ferreira. «Assim, a Teoria das Capacidades, ao ser centrada nos indivíduos e nas suas capacidades, mais do que nos agregados familiares e em medidas quantitativas de bem-estar, possibilita uma análise rica na perspectiva de género»

Cortesia de wikipedia

A perspectiva de género: o potencial da Teoria das Capacidades
«(…) Neste sentido, o enfoque nas capacidades torna-se um instrumento privilegiado na análise das diferenças de género. A forma como as capacidades se convertem em funcionamentos, difere por se ser homem ou mulher e depende das identidades sociais e de outros processos sociais, percebidos num determinado contexto, logo, difere entre masculino e feminino. Isto significa que, nem só as oportunidades reais (capacidades) de homens e mulheres são distintas, uma vez que, em determinados contextos sociais e culturais podem ter, de facto, acesso distinto aos recursos, como também que em determinados contextos sociais e culturais, perante um conjunto de capacidades, homens e mulheres podem realizar escolhas diferentes, por terem implícitas preferências distintas. Diversos autores (e.s. Addabbo, Lanzio & Picchio, 2010; Chattier, 2012; Nussbaum, 2000; Robeyns, 2003; Sen, 1990, 1992, 1993, 1999) reconhecem o potencial desta teoria quando aplicada na perspectiva de género. Partindo de uma consideração comum, a de que persistem suposições de que as relações de género são igualitárias a nível familiar, os autores e as autoras levam em linha de conta que: os conflitos de interesses parcialmente díspares no seio da família recebem soluções tipificadas através de padrões de comportamento implicitamente aceites que podem ser ou não especialmente igualitários (…) uma mulher espoliada pode nem avaliar com clareza a dimensão da sua privação relativa (Sen, 1999).
Algumas representações sociais relacionadas com o género podem perpetuar desigualdades entre homens e mulheres, que são aceites porque estão socialmente instituídos. Neste sentido, admitindo que as relações de género não são igualitárias a nível familiar pode-se considerar que os orçamentos familiares não são equitativamente distribuídos logo, na prática, as análises que assentam nos orçamentos familiares parecem não ter capacidade para avaliar a verdadeira privação de algumas mulheres, a verdadeira privação não se relaciona exclusivamente com a pobreza económica do agregado familiar mas com a restrição de escolhas e opções e com distintas preferências, decorrentes do contexto social e cultural. Outra potencialidade da Teoria das Capacidades quando aplicada numa perspectiva de género é considerar que em determinados contextos, as mulheres podem conceptualizar o seu bem-estar em termos do bem-estar de outros, como o seu marido, os seus filhos e outros membros da família. Este aspecto é importante na construção do enquadramento teórico deste estudo considerando que as mulheres podem alterar a sua lógica preferencial de satisfação de algumas necessidades em prol da satisfação das necessidades de outros elementos do agregado familiar. Por fim, a Teoria das Capacidades também considera o que as pessoas podem de facto fazer ou ser tanto a nível de mercado laboral como fora dele. Deste modo, a Teoria das Capacidades valoriza as contribuições femininas para o bem-estar geral da sociedade e das famílias. Estas contribuições ficam, diversas vezes, invisíveis se considerarmos indicadores estatísticos de produtividade numa perspectiva de mercado e não de valor. Adoptando a perspectiva da Teoria das Capacidades é possível dar visibilidade à contribuição do trabalho não-pago que se traduz, por exemplo, na realização de tarefas domésticas, cuidado do lar, e/ou prestação de cuidados a familiares. Por considerar estas questões no seu quadro teórico a Teoria das Capacidades permite elaborar uma formulação mais abrangente do bem-estar das mulheres.
Assim, a Teoria das Capacidades, ao ser centrada nos indivíduos e nas suas capacidades, mais do que nos agregados familiares e em medidas quantitativas de bem-estar, possibilita uma análise rica na perspectiva de género. Esta abordagem permite, também, tomar em consideração a distribuição intrafamiliar dos recursos relacionada com as relações de género desiguais e as preferências que estão, por sua vez, relacionadas com os papéis sociais de género que correspondem a dimensões da vida invisibilizadas por outras teorias e, muitas vezes, não quantificáveis.

A Teoria das Capacidades Humanas de Martha Nussbaum
Um estudo das necessidades humanas na perspectiva de género estaria incompleto sem mencionar a Teoria das Capacidades Humanas de Martha Nussbaum. No seu livro, Mulheres e Desenvolvimento Humano, Nussbaum (2000) desenvolve uma reflexão sobre a Teoria das Capacidades Humanas na qual apresenta uma lista clara e específica de capacidades que considera fundamentais para o desenvolvimento humano e, em particular, das mulheres. De facto, Nussbaum não partilha em absoluto das ideias de Sen. Para Sen a teoria não pode fornecer uma lista completa de capacidades básicas relevantes a todas as sociedades, reconhecendo o valor de uma teoria das capacidades incompleta, susceptível de combinações que procura consistência com uma série de outras teorias». In Margarida Ferreira, Política Social, Pobreza e Exclusão Social, Projecto Pobreza Absoluta em Portugal, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Wikipédia, ISCSP, 2013.

Cortesia de ISCSP/JDACT