quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Poesia. 1951-1986. Alexandre O’Neill. «Dinheiro? Isso não! Já sei, pobrezinho, que em vez de pão ia comprar vinho… Teima? Que topete! Quem se julga ele se um tigre acabou nesta sala em tapete?»

jdact

A Queixada
«A queixada marca o tempo
neste lugar,
a queixada com o seu
furioso mastigar.

É entrar num restaurante
popular,
é entrar e ver a queixada
a abrir e a fechar.

À queixada não dão tempo
neste lugar,
não dão tempo nem comida
da que se pode manjar.

E a queixada não se queixa
(que outras se vão queixar!)
Recebe, esmaga e despacha
a comida por provar.

Como lhe falta comida,
carniça boa a sangrar,
a queixada, que não é parva
e não pode viver do ar,

come tudo o que lhe derem
no restaurante, no bar;
uma dobrada singela
ou um frango a engelhar.

Tem pressa e um vazio
a preencher, a tapar.
Neste verso bebe vinho,
neste vai recomeçar…»
Poema de Alexandre O’Neill, in ‘Poesias Completas, 1951 / 1986


JDACT