terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Terra Brava. Frederico Brito. «Sentei-me à sombra fagueira duma frondosa oliveira, posta à beira dum caminho; nem uma folha tremia e no silêncio, eu ouvia-a murmurar muito baixinho…»

jdact e heitorcoelho

Rendas do Mar
«Ai!, a pobre engomadeira,
não pode, mesmo que queira,
nem que leve a vida inteira,
com o seu ferro, engomar
aquela renda ligeira
que tem o lençol do mar!

Viu partir o seu amante
muito apressado, ofegante,
no seu batel arrogante
que soube desafiar,
aquele enorme gigante,
aquele, dragão do mar !

Viu as ondas, uma a uma,
a desfazerem-se em espuma
e o batel, como uma pluma
que o vento leva no ar,
meter-se por entre a bruma
para nunca mais voltar.

E andou soltando gemidos,
dias inteiros, seguidos,
ouvindo os roucos bramidos
que as ondas sabem soltar,
mas tudo passos perdidos,
tudo sem ele chegar!


Um certo dia, amanhece;
e sem que alguém o soubesse,
junto do mar aparece
com seu ferro de engomar,
tão contente, que parece
que nunca soube chorar.

E põe-se com todo o jeito,
com toda a arte e preceito,
inclinada sobre o peito,
com seu ferro, a dar, a dar,
na espuma, que sobre o leito
as ondas deixam ficar.

É que a pobre engomadeira,
que amou em louca cegueira,
julga que renda ligeira
que tem o lençol do mar,
se faz da mesma maneira
que a dum lençol de noivar!»
Poema de Frederico Brito, in ‘Terra Brava

In J. Frederico Brito, Terra Brava, Versos, Empresa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1932.

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