domingo, 28 de dezembro de 2014

Profetismo e Iluminismo no Terremoto de Lisboa de 1755. Luiz Felipe Neves. «As causas estão na própria corrupção da ‘integralidade humana’ pela sociedade e pela sua irracionalidade e incapacidade… As consequências seriam de outra amplitude se não houvesse um número de casas ‘amontoadas’ e com uma população mal distribuída»

Cortesia de wikipedia

Resumo:
«O Terremoto de Lisboa é a expressão linguística de conjunto do que, em perspectiva realista, seria uma configuração de evidências concretas a observar com respeito aos factos. Uma soma de lendas, investigações, repercussões, constituíram na memória social uma obviedade que cria duplo obstáculo epistemológico. O primeiro, o de sua reificação; considera-se o fenómeno como evidente, real, óbvio, consensual. O segundo, de empiricismo mais sofisticado, diria que há um fenómeno real a respeito do qual podemos ter diferentes pontos de vista. Ou seja, já há um objecto definido aceito e sobre o qual teremos visões a ponderar. Autores, contrastantemente conhecidos; Voltaire, Rousseau e Malagrida podem nos ajudar a observar entraves significativos à constituição do terremoto de Lisboa».

«Os objectivos deste trabalho de índole ensaística residem no desejo de discutir a constituição de alguns pontos de convergência de autores que se diferenciam fortemente no campo intelectual do século XVIII. A possibilidade de cotejo nos é dada por fenómeno que observaram e constituíram cada um a seu modo. Assim, o terremoto de Lisboa de 1755 é visto por três estrangeiros que ocupam posições desiguais na história do pensamento. Os dois primeiros de que trato, Voltaire e Rousseau, são mais do que conhecidos e estudados e, deles, apenas sublinharei alguns traços. O terceiro é um, até agora, pouco observado jesuíta italiano que teve intensa e variadíssima actuação em Portugal e no Brasil e que tem obra escrita escassa e de acesso difícil. Iluministas e iluminado que nos deixaram explicações causais para a catástrofe de 1755 e, delas, nos serviremos como um ténue fio condutor. O Poema sobre o desastre de Lisboa (1756), François Marie Arouet, dito, Voltaire (1694-1778) tem como subtítulo ou título alternativo as palavras que se seguem: Ou exame deste axioma: tudo está bem. O axioma a que ele refere, tudo está bem, sintetizaria se assim podemos dizer, as posições centrais de determinado optimismo filosófico contra as quais o escritor francês se volta. As teses optimistas firmam que o mundo, criado por Deus, é organizado pela providência de tal modo que, um mal necessário seja sempre compensado por um Bem sempre maior. Voltaire critica fortemente esta posição notadamente pelos perigos maiores que acarretaria: o fatalismo e a inacção. No caso, toma como instrumento de ataque o terremoto de Lisboa de 1755, que apresenta como exemplo notável do que aquela expressão optimista teria de obstáculo à racional compreensão da realidade. O alvo principal das críticas é Gottfried Wilhem Leibniz (1646-1716), e em ponto menor, Alexander Pope (1688-1744). Postulam que o mundo que  conhecemos é o melhor dos mundos possíveis. Ele é a melhor das alternativas possíveis, escolhido por Deus, e criado por Deus. Voltaire, em seu poema, indaga, com veemência e indignação, como a bondade de Deus permitiu tragédia tão lancinante. Ou: como compatibilizar a existência do mal com a ideia de um Deus permanentemente benfazejo e benevolente na sua Omnipotência. Diz Voltaire: Je ne conçois plus comment tout serait bien: je suis comme un docteur; hélas! Je ne sais rien!
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) em 18 de Agosto de 1756, na Lettre sur la Providence, assume posição oposta à de Voltaire. Afirma que a culpa estaria, portanto, não em desígnio divino, nem em causa natural; Deus e natureza preservam a sua bondade inata. As causas estão na própria corrupção da integralidade humana pela sociedade e por sua irracionalidade, por sua incapacidade de manter o carácter originalmente bom dos filhos do Senhor. As consequências do fenómeno seriam de outra amplitude se não houvesse um despropositado número de casas amontoadas (segundo ele, vinte mil e de seis a sete andares) e com uma população mal distribuída. Chega o pensador genebrino a dizer que, talvez, nenhum estrago teria ocorrido se fossem observadas as regras que a Razão determina». In Luiz Felipe Baeta Neves, Profetismo e Iluminismo no Terremoto de Lisboa de 1755, Revista Convergência Lusíada, nº 24, 2007, Real Gabinete Português de Leitura, Rio de Janeiro, ISSN 1414-0381.

Cortesia de RCLusíada/JDACT