quarta-feira, 13 de março de 2019

1356. Bernard Cornwell. «A mensagem chegou à cidade depois da meia-noite, trazida por um jovem monge que tinha vindo da Inglaterra. Havia deixado Carlisle em Agosto com outros dois irmãos, os três com ordens de chegar à grande casa cisterciense em Montpellier…»

Cortesia de wikipedia

Carcassonne
«(…) O conde de Mouthoumet olhou para o falcão. Tinha ouvido falar daqueles pássaros, calades, que podiam prever a morte ou a vida de um homem. Se o pássaro olhasse directamente os olhos de uma pessoa doente, essa pessoa iria recuperar, mas se não olhasse ela morreria. Um pássaro que conhece a eternidade? perguntou o conde. Olhe para o pássaro, disse o padre, e diga: sabe onde la Malice está escondida? Não, sussurrou o velho. O falcão parecia estar olhando para a parede. Em seguida se remexeu no peito do velho, as garras apertando o cobertor puído. Ninguém falou. O pássaro ficou imóvel, mas então, inesperadamente, baixou a cabeça bruscamente e o conde gritou. Quieto, vociferou o padre. O falcão havia cravado o bico adunco no olho esquerdo do agonizante, transformando-o numa polpa, deixando uma trilha de geleia sangrenta em sua bochecha barbada. O conde gemia. O bico do falcão fez um barulho áspero quando o padre puxou-o para trás. A calade afirma que você mentiu, disse o padre. E agora, se quiser manter o olho direito, vai me contar a verdade. Onde está la Malice? Não sei, soluçou o velho. O padre ficou em silêncio um tempo. O fogo estalou e o vento soprou fumaça no quarto. Mente, insistiu o padre. A calade diz-me que mente. Você cuspiu no rosto de Deus e de seus anjos. Não!, protestou o velho. Onde está la Malice?
Não sei! O nome da sua família é Planchard, disse o padre em tom de acusação. E os Planchard sempre foram hereges. Não!, protestou o conde, e então, parecendo mais fraco: quem é o senhor? Pode chamar-me de padre Calade, e sou o homem que decide se você vai para o inferno ou para o céu. Então me absolva, implorou o velho. Eu preferiria lamber o rabo do diabo. Uma hora depois, quando o conde estava cego e chorando, o padre finalmente se convenceu de que o velho não sabia onde la Malice estava escondida. Atraiu o falcão para o pulso e colocou o capuz de volta na cabeça dele, depois fez sinal para um dos homens com cota de malha. Mande esse velho idiota para o senhor dele. Para o senhor dele?, perguntou o soldado, perplexo. Para Satanás, respondeu o padre. Pelo amor de Deus, implorou o conde de Mouthoumet, depois sacudiu-se impotente quando o soldado colocou um travesseiro de pelo de cordeiro no seu rosto. O velho demorou um tempo surpreendentemente longo para morrer.
Nós três vamos voltar a Avignon, disse o padre aos companheiros, mas o resto ficará aqui. Diga para revistarem este lugar. Ponham tudo abaixo! Pedra por pedra. O padre cavalgou para Avignon, a leste. Mais tarde, naquele dia, caiu um pouco de neve, macia e fina, cobrindo de branco as pálidas oliveiras no vale abaixo da torre do morto. Na manhã seguinte a neve havia sumido, e uma semana depois os ingleses chegaram.

Avignon
A mensagem chegou à cidade depois da meia-noite, trazida por um jovem monge que tinha vindo da Inglaterra. Havia deixado Carlisle em Agosto com outros dois irmãos, os três com ordens de chegar à grande casa cisterciense em Montpellier, onde o irmão Michael, o mais novo, aprenderia medicina e os outros estudariam na famosa escola de teologia. Os três haviam caminhado por toda a extensão da Inglaterra, navegado de Southampton a Bordeaux e depois se dirigido a pé para o interior, e, como qualquer viajante numa longa jornada, traziam mensagens. Havia uma para o abade de Puys, onde o irmão Vincent havia morrido de fluxo, depois Michael e seu companheiro tinham caminhado até Toulouse, onde o irmão Peter havia adoecido e fora levado ao hospital em que, pelo que Michael sabia, ainda se encontrava. Assim o jovem monge estava sozinho e tinha apenas uma mensagem consigo, um pedaço de pergaminho surrado, e tinham-lhe avisado que talvez não encontrasse o homem a quem ela era endereçada caso não viajasse naquela mesma noite. Le Bâtard move-se depressa, dissera o abade de Paville. Esteve aqui há dois dias, agora está em Villon, mas amanhã? Le Bâtard? É o nome dele por aqui, dissera o abade, fazendo o sinal da cruz, o que de certo modo sugeria que o jovem monge inglês teria sorte se sobrevivesse ao encontro com o homem chamado le Bâtard». In Bernard Cornwell, 1356, 2012, Editora Record, 2013, ISBN 978-850-140-371-1.

Cortesia de ERecord/JDACT