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e cortesia de wikipedia
«(…)
Rico, poderoso, gozando de
excelente reputação, Mehi manobrava com prudência e paciência. Tendo sido
recusado pelo tribunal de admissão do Lugar de Verdade, nunca aceitara essa
afronta; o seu desejo de vingança associava-se a um desejo de transformar o
velho Egipto, mergulhado nas suas tradições e crenças, num país moderno e
conquistador onde a ciência, encarnada pelo seu amigo Daktair, aberto a todas
as invenções, abalaria uma sociedade adormecida. A realização desse grande objectivo
implicava penetrar nos segredos da confraria que os faraós protegiam ciosamente
para melhor se assegurarem da sua exclusividade. O principal adversário de Mehi
tinha sido Ramsés o Grande, e a sua única tentativa para suprimir o monarca,
fazendo sabotar o seu carro cerimonial, traduzira-se por um fracasso. O
comandante vira-se obrigado a reconhecer que o velho soberano gozava de uma
sorte sobrenatural e contentara-se em suprimir o sabotador que podia dar com a
língua nos dentes. Única estratégia possível: tecer a rede em torno da aldeia
enquanto esperava a
morte de Ramsés.
Mehi estava finalmente livre do benfeitor
do Lugar de Verdade! Sem Ramsés, os artesãos ficariam desamparados e não era
certo que o novo rei, Merenptah, um homem do Norte, sentisse uma disposição tão
favorável em relação à confraria como o seu predecessor. Mas o
tesoureiro-principal de Tebas não conseguia obter notícias exactas de
Pi-Ramsés, a capital onde Merenptah fora coroado. Diziam-no passadista,
desprovido de qualquer intenção inovadora e decidido a seguir os passos de
Ramsés o Grande; mas o poder supremo não modificaria o seu carácter? Quanto às
intrigas, deviam crescer e florir! Alguns conformavam-se com um reinado de
transição, que seria provavelmente breve, para melhor preparar um mundo novo.
Um mundo no qual Mehi desempenharia um papel de primeiro plano se fosse
detentor dos segredos do Lugar de Verdade.
Durante o interminável período de
mumificação podiam ocorrer acontecimentos inesperados. A morte brutal de
Merenptah, por exemplo, e uma luta pelo trono. Mehi esperava que não
acontecesse nada, porque não estava ainda pronto para participar. Sonhava
manipular um monarca que apareceria na frente do palco enquanto ele, na sombra,
seria o detentor do verdadeiro poder. O que conseguira com o senhor de Tebas, porque não o havia de
reproduzir à escala suprema? Um Merenptah estático, ancorado em princípios
ultrapassados e incapaz de detectar a evolução inevitável do país: não seria
esse medíocre Faraó o seu melhor aliado? Para testar o estado de espírito e a
capacidade de resistência dos artesãos, Mehi convencera o seu aliado Abri,
administrador-principal da margem oeste, a enviar um esquadrão e um inspetor do
fisco. Se conseguissem forçar a porta, Mehi penetraria pela brecha e reduziria
a nada os privilégios da confraria. Desta vez, o caso era sério. O chefe Sobek
constatou que se tratavam realmente de soldados, a maior parte de idade madura.
Pela primeira vez desde que ocupava o posto de chefe da segurança do Lugar de
Verdade, encontrava-se directamente confrontado com a tropa. Dispostos em duas
fileiras, os soldados tinham-se imobilizado em frente do primeiro fortim. Os
guardas núbios, a maior parte dos quais eram potentes rapagões bem treinados,
estavam armados com cacetes e espadas curtas. Obedeceriam a Sobek, considerado
como um verdadeiro chefe de clã cujas ordens não eram discutidas.
Este avançou. Quem vos comanda? Eu,
respondeu um veterano, visivelmente impressionado pelo atleta negro que o
olhava, mas estou colocado sob as ordens do inspector do fisco. Até então
oculto pelos soldados, um homenzinho gorducho saiu das fileiras e dirigiu-se a
Sobek com uma voz aflautada mas imperativa. Tenho um mandato do
administrador-principal da margem Oeste para fazer o recenseamento dos animais
da aldeia e calcular os impostos que lhes são aplicáveis. Como não tenho registada
nenhuma declaração nos últimos anos, necessariamente os pagamentos devem estar
atrasados. Vós, que representais a força pública, deveis colaborar e ajudar-me
a executar a minha missão. O chefe Sobek não esperava um ataque daquele género.
Tendes a intenção..., de penetrar na aldeia? É indispensável. As minhas ordens
são formais: o acesso é interdito seja a quem for que não seja um artesão ou um
membro da sua família e certificado como tal junto de mim. Sede razoável: eu
represento o poder administrativo». In Christian
Jacq, A Pedra da Luz, A Mulher Sábia, 1995(?), Bertrand Brasil, ISBN
978-852-860-772-7.
Cortesia
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