jdact
A
Mulher que Amou Jesus
«(…) Quando saiu do quarto, sua
mãe e seu pai já estavam de pé e comiam a refeição da manhã, de pão e queijo.
Olharam-na com ansiedade; já a esperavam com impaciência. Sentou-se rapidamente
à mesa e pegou num pedaço de pão. E então?, perguntou seu pai. Percebeu que sua
mãe olhava para ele como se dissesse Natã, não se atrapalhe! Concordo em ser a
mulher de Joel, disse ela. Parecia a coisa certa a fazer; e estava exaurida
pela luta interior e pelo exame de consciência que fizera. Devia casar-se e
Joel parecia tão bom quanto qualquer outro e melhor que a maioria. As suas
ambições iriam diminuir em mais um ano ou dois e talvez se visse forçada a
casar com um viúvo mais velho. Além disso..., talvez esta casa estivesse
assombrada por um espírito maligno que parecia tê-la escolhido, e seria melhor
que fosse para outro lugar. Algo a
estava expulsando dali. Poderia não ter nada a ver com o velho ídolo de marfim que
estava no baú, poderia ser outra força. Como ter certeza? Maria já vira os
possuídos, que, na verdade, deveriam ser chamados despossuídos, pois tinham perdido
tudo na vida, perambulando pelo mercado, com todos olhando fixamente para eles
e evitando-os. Ninguém saberia dizer por que motivo um demónio escolhia uma
pessoa ou outra; isso ocorria com pessoas das melhores famílias. E agora
parecia que a própria casa de Maria tinha sido invadida. Era seu dever deixar a
casa e levar o espírito consigo, protegendo assim a sua família, ou livrando-se
dele.
Maria... Isso é maravilhoso!,
disse a sua mãe. Aparentemente, ela esperava por uma discussão interminável
sobre o assunto. Cedendo com facilidade, Maria dera-lhes um presente
inesperado. Estou tão feliz. É verdade, disse Natã. Consideramos Joel um homem recomendável.
Ficaremos felizes de recebê-lo como filho. Maria, a mãe levantou-se e
abraçou-a. Estou tão..., contente. Quer dizer aliviada, pensou Maria. Aliviada
por não ter de carregar a desgraça de uma filha não casada. Assim, cumpriram os
seus deveres. Sim, mãe, disse, dando-lhe um abraço de verdade, puxando-a contra
si. E agora eu os deixarei, pensou. Não, hoje, mas em breve. E, de certa forma,
as despedidas já começaram. Sentia-se desolada, como se estivesse sendo
descartada. Por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe e unir-se-á à sua
mulher, diziam as escrituras. De novo, só se referiam ao homem e ao que ele
fazia, pensou Maria. Nenhuma menção à mulher de quem depende ou aos seus sentimentos.
Devo falar com ele hoje?, perguntou Maria. Ou o senhor prefere falar primeiro
com ele? Você mesma deveria falar com ele, disse o seu pai. Seria melhor que
falassem a sós, um com o outro. Afinal, somos pessoas modernas. E ele sorria,
claramente feliz.
Maria preparou-se para ir ao
armazém. Vestiu-se devagar, escolhendo um vestido que lhe caía bem, branco, com
uma risca no colarinho. Penteou o cabelo, atando-o atrás com uma presilha. Imagino
que depois de casar terei de usá-lo amarrado com tranças. E coberto. Que pena.
Mas era um pensamento fugaz. Todo mundo sabia que mulheres casadas tinham de
cobrir a cabeça. Era parte do preço a pagar por ser uma esposa respeitável.
Nenhum outro homem podia ver o seu cabelo. Isso também significava,
naturalmente, que ninguém poderia ver o seu cabelo fora da sua casa, nem
crianças, ou amigas ou homens mais velhos. E assim perdia o mundo exterior um
pouco de beleza. Escolheu umas sandálias de pele, macias, e uma mantilha leve,
de lã. Afinal, supõe-se que este seja o dia mais feliz da minha vida, pensou.
Por isso, devo pôr uma roupa especial para este dia, uma roupa que me leve a lembrar,
quando voltar a vesti-la: essa é a mantilha que usei no dia em que... E talvez
até conte isso para minha filha e lhe mostre a mantilha. Suspirou. Já estou me
sentindo esquisita, imaginando o que vou contar à minha filha, pensou.
Dirigiu-se ao armazém, sabendo
que meio-dia era boa hora para uma visita. Estariam todos lá e, embora os olhos
de todos fossem acompanhá-la quando entrasse, o barulho e os ruídos lá dentro
iriam abafar o que ela e Joel viessem a dizer um ao outro. O armazém da família
ficava perto do cais onde os pescadores descarregavam o peixe pescado no lago
de Magdala, para além do passeio de pedras e do mercado, onde se vendia e
comprava o peixe. O peixe era abundante no lago, o que proporcionava uma boa
dieta alimentar às 16 cidades que ficavam na sua orla. Mas o peixe também era altamente
perecível e não podia ser enviado para longe sem ser, de alguma forma, tratado
e preservado. A família de Maria criara um negócio especializado que fazia os
três tipos conhecidos de tratamento de peixe: o da secagem, o da defumação e o
da curtição pelo sal». In Margaret George, A Paixão de
Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN
972-883-911-1.
Cortesia de SdeEmergência/JDACT