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O que queria dizer era, a tua tentativa falhada para evitar este encontro,
a informalidade brusca do meu pai, a minha incapacidade para o deter ou
acalmar, e sobretudo, a infelicidade que tudo isto deve representar para ti:
vir para longe de casa, para o meio de estranhos, para conheceres o teu marido,
e seres arrancada da cama contra a tua vontade. Ela baixou o olhar. Ele
observou a palidez perfeita da sua pele as pestanas louras e as sobrancelhas
claras. Depois, olhou para ele. Não faz mal, disse. Já vi bem pior do que isto,
já estive em lugares bem piores, e conheci homens bem piores do que o vosso
pai. Não receeis por mim. Não tenho medo de nada.
Nunca ninguém saberá o quanto me custou sorrir,
ficar diante do teu pai e não tremer. Ainda nem tenho dezasseis anos, estou
longe da minha mãe, num país estranho cuja língua não sei falar e onde não
conheço ninguém. Não tenho amigos, à excepção do grupo de damas de companhia e
de criados que trouxe comigo, e estes esperam que eu os proteja. Nem sequer
pensam em ajudar-me. Sei o que tenho de fazer. Tenho de ser uma princesa
espanhola para os ingleses e uma princesa inglesa para os espanhóis. Tenho de
mostrar que estou à vontade quando não estou, e parecer segura quando sinto
medo. Podes ser o meu marido, mas mal te conheço, ainda não tenho nenhuma ideia
a teu respeito. Não tenho tempo para te analisar, estou concentrada em ser a
princesa que o teu pai comprou, a princesa que a minha mãe enviou, a princesa
que cumprirá o negócio e garantirá um tratado entre a Inglaterra e a Espanha. Nunca
ninguém saberá que tenho de fingir estar à vontade, ser segura, ser graciosa.
Claro que tenho medo. Mas nunca, nunca o mostrarei. E, quando chamarem pelo meu
nome, darei sempre um passo em frente.
O rei, depois de ter feito a sua higiene e bebido alguns copos de vinho
antes de ir jantar, tratava a jovem princesa com afabilidade, determinado em
fazer esquecer a sua apresentação. Por uma ou duas vezes ela apanhou-o a observá-la
de soslaio, como se estivesse a avaliá-la e voltou-se para o olhar, fixamente,
com uma das sobrancelhas levemente franzida, como a interrogá-lo. Sim?,
perguntou ele. Peço desculpa, disse serenamente. Pensei que Vossa Graça
necessitava de alguma coisa. Olháveis para mim. Estava a pensar que não sois
muito semelhante ao vosso retrato, afirmou. Ela corou um pouco. Os retratos são
concebidos para favorecer aquele que posa, e quando este é uma princesa real, à
procura de marido, ainda mais. Sois mais bem-parecida, afirmou Henrique com
relutância, para a acalmar. Mais jovem, mais agradável e mais bonita.
Ela não se deixou amolecer pelo elogio, como ele esperava. Limitou-se a
fazer um sinal com a cabeça, como se tratasse de uma observação interessante. Tivésseis
uma má viagem, observou Henrique. Muito má, respondeu. Voltou-se para o
príncipe Artur. Tivemos de voltar para trás, quando partimos da Corunha em
Agosto e de esperar que as tempestades passassem. Quando finalmente largámos, o
tempo continuava bastante adverso, e então, fomos forçados a atracar em
Plymouth. Não conseguíamos chegar até Southampton de forma nenhuma. Todos
tínhamos a certeza de que naufragaríamos. Bem, não podíeis ter vindo por terra,
afirmou Henrique categoricamente, pensando no perigoso estado da França e na
hostilidade do rei francês. Seríeis uma refém preciosa para um rei que seria
suficientemente cruel para vos sequestrar. Graças a Deus que nunca caístes em
mãos inimigas. Ela olhou-o pensativamente». In Philippa Gregory,
Catarina de Aragão, A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006,
ISBN 978-972-262-455-8.
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