sexta-feira, 29 de março de 2019

A Princesa Determinada. Catarina de Aragão. Philippa Gregory. «O rei, depois de ter feito a sua higiene e bebido alguns copos de vinho antes de ir jantar, tratava a jovem princesa com afabilidade, determinado em fazer esquecer a sua apresentação»

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«(…) O que queria dizer era, a tua tentativa falhada para evitar este encontro, a informalidade brusca do meu pai, a minha incapacidade para o deter ou acalmar, e sobretudo, a infelicidade que tudo isto deve representar para ti: vir para longe de casa, para o meio de estranhos, para conheceres o teu marido, e seres arrancada da cama contra a tua vontade. Ela baixou o olhar. Ele observou a palidez perfeita da sua pele as pestanas louras e as sobrancelhas claras. Depois, olhou para ele. Não faz mal, disse. Já vi bem pior do que isto, já estive em lugares bem piores, e conheci homens bem piores do que o vosso pai. Não receeis por mim. Não tenho medo de nada.

Nunca ninguém saberá o quanto me custou sorrir, ficar diante do teu pai e não tremer. Ainda nem tenho dezasseis anos, estou longe da minha mãe, num país estranho cuja língua não sei falar e onde não conheço ninguém. Não tenho amigos, à excepção do grupo de damas de companhia e de criados que trouxe comigo, e estes esperam que eu os proteja. Nem sequer pensam em ajudar-me. Sei o que tenho de fazer. Tenho de ser uma princesa espanhola para os ingleses e uma princesa inglesa para os espanhóis. Tenho de mostrar que estou à vontade quando não estou, e parecer segura quando sinto medo. Podes ser o meu marido, mas mal te conheço, ainda não tenho nenhuma ideia a teu respeito. Não tenho tempo para te analisar, estou concentrada em ser a princesa que o teu pai comprou, a princesa que a minha mãe enviou, a princesa que cumprirá o negócio e garantirá um tratado entre a Inglaterra e a Espanha. Nunca ninguém saberá que tenho de fingir estar à vontade, ser segura, ser graciosa. Claro que tenho medo. Mas nunca, nunca o mostrarei. E, quando chamarem pelo meu nome, darei sempre um passo em frente.

O rei, depois de ter feito a sua higiene e bebido alguns copos de vinho antes de ir jantar, tratava a jovem princesa com afabilidade, determinado em fazer esquecer a sua apresentação. Por uma ou duas vezes ela apanhou-o a observá-la de soslaio, como se estivesse a avaliá-la e voltou-se para o olhar, fixamente, com uma das sobrancelhas levemente franzida, como a interrogá-lo. Sim?, perguntou ele. Peço desculpa, disse serenamente. Pensei que Vossa Graça necessitava de alguma coisa. Olháveis para mim. Estava a pensar que não sois muito semelhante ao vosso retrato, afirmou. Ela corou um pouco. Os retratos são concebidos para favorecer aquele que posa, e quando este é uma princesa real, à procura de marido, ainda mais. Sois mais bem-parecida, afirmou Henrique com relutância, para a acalmar. Mais jovem, mais agradável e mais bonita.
Ela não se deixou amolecer pelo elogio, como ele esperava. Limitou-se a fazer um sinal com a cabeça, como se tratasse de uma observação interessante. Tivésseis uma má viagem, observou Henrique. Muito má, respondeu. Voltou-se para o príncipe Artur. Tivemos de voltar para trás, quando partimos da Corunha em Agosto e de esperar que as tempestades passassem. Quando finalmente largámos, o tempo continuava bastante adverso, e então, fomos forçados a atracar em Plymouth. Não conseguíamos chegar até Southampton de forma nenhuma. Todos tínhamos a certeza de que naufragaríamos. Bem, não podíeis ter vindo por terra, afirmou Henrique categoricamente, pensando no perigoso estado da França e na hostilidade do rei francês. Seríeis uma refém preciosa para um rei que seria suficientemente cruel para vos sequestrar. Graças a Deus que nunca caístes em mãos inimigas. Ela olhou-o pensativamente». In Philippa Gregory, Catarina de Aragão, A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006, ISBN 978-972-262-455-8.
                                                                                      
Cortesia CivilizaçãoE/JDACT