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«(…) Agora
estaria morto. Não vos ponhais agora com lamechices a fazer-vos de inocente,
Melissa. O vosso plano tinha arrojo e coragem, e eu respeito isso. Mas
falhastes, o que faz com que a vossa vida me pertença e eu possa dispor dela.
Pensei num enforcamento, mas o meu escudeiro convenceu-me que seria um
desperdício. Portanto, engendrei um plano para a vossa redenção. Ele
aproximou-se e sentou-se no catre, ao lado dela. Como fizestes notar, este
cerco tem sido longo e abrasador. Encontram-se aqui muitos homens entediados, e
as meretrizes do acampamento…, bem, elas não são a mesma coisa do que ter uma
cortesã. Ela arregalou os olhos. Estais a dizer que ides dar-me ao vosso
exército? Que esperais que eu… Não ao exército inteiro. Só aos cavaleiros. É
asqueroso. O enforcamento também. A expressão dela endureceu de fúria. Ele
esperara lágrimas. Ela tinha sangue na guelra. Tinha de admitir isso. Não
acredito que o vosso amo, sir Morvan, aprovasse o que planeais. Ele tem
reputação de ser um homem honrado. Ele não se importará nem um pouco. Em breve,
terei colocado esta torre nas mãos dele e metade do seu exército poderá
juntar-se a ele em Harclow. E só isso terá importância. Além disso, salvei-lhe
a vida uma vez, portanto está em dívida para comigo.
Ela cerrou os dentes
com um controlo vacilante, os seus olhos faiscaram, e depois baixou as
pálpebras. Prefiro ser enforcada. Estão ali pelo menos vinte cavaleiros. De
qualquer maneira, é provável que me matem. Não se estiverem satisfeitos. De
certa forma, estareis a cumprir a vossa missão. Amanhã de manhã rebentaremos
com um dos túneis. Até ao meio-dia, eu espero que a torre sucumba ou se renda.
Os vossos favores serão recompensa para os meus cavaleiros, e talvez mitiguem a
irritação que sentirão por não poderem pilhar aquilo que conquistaram. O olhar
dela fixou-se nele. Explodireis o túnel de madrugada? Conto com isso. Estamos a
escavar dois. O que fica a sul já chegou à muralha. O olhar dele vagueou até à
pele orvalhada do rosto, dos ombros dela e do peito exposto. Ela já não era
nenhuma rapariga, mas ele também nunca se interessara muito por raparigas. A
ânsia de lamber a sua palidez resplandecente, e a noção de que ela não
conseguiria impedi-lo de o fazer, enrijeceram-lhe o corpo. Melissa, a cortesã,
estivera certa numa coisa. Ele estava cansado da vida do acampamento e desejava
de facto as ilusões do amor cortesão.
Estivera muito tentado a jogar o jogo dela até ao fim, mas depois
poderia ter perdido o alento para a usar da forma que agora pensava fazer. Não
conseguiu conter-se. Esticou o braço e acariciou-lhe a face. Delicada. Cálida.
Inclinou-se e roçou os seus lábios nela. Para uma cortesã, é um castigo leve.
Do meu ponto de vista, só há um problema. Ele baixou a cabeça para ela num
sorriso. Vós, Melissa, não sois cortesã nenhuma. Sou, pois. Certamente não
sois. Já conheci virgens que beijam com mais perícia do que vós. Quem sois vós?
Sois da aldeia? Ela assentiu com a cabeça. Então uma jovem matrona decide ser
heroína em prol do seu povo. Muito corajoso e notável. O vosso marido sabe que
embarcastes neste plano descabido? Sou viúva. Ah! Ainda assim, o vosso homem
não vos ensinou grande coisa, pois não? E é esse o problema. O meu escudeiro
espalhou a notícia de que tenho aqui uma cortesã. Alguns destes cavaleiros
poderiam pensar que estais a insultá-los, ou a guardar o que tendes de melhor
para outros. Podem virar-se contra vós. Eu podia explicar o erro, mas então
eles podem pensar que eu estou a mentir e que é para mim que vos preservais». In Madeline
Hunter, Mil Noites de Paixão, Edições ASA, 2012, ISBN-978-989-231-672-7.
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