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e cortesia de wikipedia
«(…) Uma frágil síria, de cabelos
curtos alourados, trepou para os rins do obeso e, com mão ágil, espalhou sobre
a massa de carne um óleo morno e perfumado. O que é esta delícia?, perguntou
Otokou, agradavelmente surpreendido. Óleo de festa proveniente de Tebas,
senhor. Disseram-me que acalmou as dores de Ramsés o Grande em pessoa. Ágeis e
precisas, as pequenas mãos da massagista desfizeram uma a uma as contracções musculares
do gordo, que resmungou de contentamento. Tranan não quis interromper o
tratamento. Não ficava Otokou a ser seu devedor? Perfeito, pequena, perfeito.
Vão dar-te um saco de ouro em pó. Enquanto a síria se eclipsava, o chefe de
tribo retomou o seu lugar na cadeira. Então, meu amigo Tranan, porque me
fizeste vir à capital? Esta pequena massagista...
A tua síria é muito dotada, mas
falemos de coisas sérias. Sabes que tenho horror às viagens e que detesto
afastar-me da minha aldeia. Nervoso, Tranan andou de um lado para outro. O caso
é grave, senhor. És o principal produtor de ouro do reino e eu o director do
Tesouro. Juntamente com Piankhi, somos os únicos a saber a extensão da fortuna
que a Núbia oferece. Devo ser-te sincero: na minha opinião, Piankhi faz mau uso
dele. Estás a acusar o faraó de desonestidade? Não, mas de conformismo! A nossa
capital adormece na sua riqueza porque Piankhi teima em respeitar tradições
ultrapassadas. Muitos dignitários pensam como eu... Há vinte anos que ele reina
e esquece exigências do futuro. Se tu e eu não interviermos, Napata corre para
a sua ruína. Os olhos de Otokou tornaram-se minúsculos. E interviremos de que
forma? Uma parte da corte está decidida a pôr em causa a legitimidade de
Piankhi. Os mesmos que o elegeram sonham com um sucessor. Um sucessor que se
chamaria..., Tranan?
Unicamente se o senhor Otokou
aceitar tornar-se o novo director do Tesouro e ser honrado como merece. Receberei
uma parte maior do ouro que a minha tribo extrai das entranhas da terra? É
evidente! O obeso personagem ronronou, o que nele era um sinal de profunda
satisfação. Tranan sabia que ia conseguir: nunca se aposta em vão sobre a
cupidez. A partir de agora, os dias de Piankhi estavam contados. Otokou
esticou-se como um felino e agarrou Tranan pela nuca. Há já muito tempo que te
considero um pequeno crápula, indigno da função que o Faraó te confiou.
Esqueceste um pormenor, Tranan: Piankhi e eu somos amigos há mais de vinte anos
e os verdadeiros amigos não se traem nunca. Tranan não sairia da mina de ouro
onde trabalharia até ao fim dos seus dias. Mas Otokou não se sentia mais sossegado
por isso; apenas tinha esmagado uma vespa com o apetite maior do que o ferrão,
enquanto que pesava sobre Piankhi uma ameaça séria.
Formado pelos Amigos e pelos
Apoiantes do rei, pelos Anciãos e pelos Ritualistas, o grande conselho que
tinha eleito Piankhi por unanimidade vinte anos antes parecia decidido a formular
graves reservas sobre o comportamento do faraó negro. Baseavam-se em relatórios
falsificados de Tranan, boatos espalhados por uma das esposas secundárias de
Piankhi, palavras insidiosas de sacerdotes acusando sem razão o faraó negro de
ter falta de devoção por Amon. Se Otokou tivesse tomado consciência a tempo do
perigo, teria de boa vontade estrangulado por suas próprias mãos todos aqueles
mentirosos; mas o grande conselho, com o seu rigor habitual, desencadeara um
mecanismo que já ninguém podia deter. É evidente que Piankhi não teria qualquer
dificuldade em refutar aquelas ignomínias, mas o seu bom nome seria afectado e,
sobretudo, era capaz de renunciar à coroa para se retirar para o templo de
Amon! Otokou conhecia bem o amigo e sabia que este não se agarraria ao poder se
as circunstâncias lhe oferecessem uma ocasião para se afastar. Mas sabia também
que ninguém estava preparado para substituir Piankhi e que a sua abdicação
seria uma catástrofe para Napata, para a Núbia e para o Egipto.
Em
vez de preparar a sua defesa, o rei galopava no deserto para proporcionar a
Valoroso, o seu cavalo preferido, os grandes espaços que o soberbo animal amava
devorar. E o homem e a sua montada não estariam provavelmente de regresso antes
do grande conselho. A mais jovem das esposas secundárias de Piankhi, de
dezassete anos, não havia meio de acalmar. É verdade que quando o pai a
conduzira à corte de Napata lhe tinha explicado bem que nunca veria o faraó e
que aquele casamento diplomático era indispensável para selar a unidade do
monarca com a tribo do sul da quarta catarata de que ela era a herdeira. Mas a
jovem não entendia assim as coisas: pois não era a mais bela do palácio, não
merecia partilhar o leito do soberano e expulsar dele as suas rivais? Impulsivamente,
tentara abrir à força as portas que a teriam conduzido até Piankhi, mas as suas
tentativas desordenadas tinham-se saldado em fracassos. Os que rodeavam o rei,
e particularmente o seu maldito escriba anão, impediam qualquer importuno de
perturbar a sua serenidade». In Christian Jacq, O Faraó Negro, 1997, Bertrand
Editora, 1998, ISBN 978-972-251-049-3.
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