quinta-feira, 21 de março de 2019

A Fugitiva. Anais Nin. «Desse modo, ela se oferecia, sumptuosa e quase impossível de estimular. A maioria dos homens nem tentava…»


Cortesia de wikipedia e jdact

(…) Homens grandes e robustos, provocantes como uma mulher e pelados por baixo. Maman queria transformar-se numa pedra da calçada para ser pisoteada, para que lhe fosse permitido olhar a bolsa escondida balançando a cada passo por baixo do saiote curto. Maman sentiu-se indisposta. O bar estava quente demais. Precisava de ar. Ela aguardou. Cada passo dos escoceses era como um passo dentro de seu próprio corpo, ela vibrava do mesmo modo. Um, dois, três. Uma dança em torno do abdómen, selvagem e uniforme, a bolsinha de pele balançando como pelos púbicos. Maman estava quente como um dia de Julho. Não conseguia pensar em nada além de abrir caminho até à frente da multidão e depois escorregar sobre os joelhos e simular um desmaio. Mas tudo o que viu foram pernas desaparecendo por baixo de saiotes xadrezes pregueados. Mais tarde, recostada nos joelhos de um policial, revirou os olhos como se fosse ter um ataque. Se ao menos a parada desse a volta e marchasse sobre ela! Desse modo, a vitalidade de nunca se extinguia. Era adequadamente nutrida. À noite, a sua carne estava tenra como se houvesse sido cozida em fogo brando o dia inteiro. Os seus olhos passavam dos clientes para as mulheres que trabalhavam para ela. O rosto delas também não lhe chamava a atenção, apenas as silhuetas da cintura para baixo. Fazia com que dessem uma volta na sua frente, dava uma pancada suave para sentir a firmeza da carne antes de vestirem as suas combinações. Ela conhecia Melie, que se enroscava como uma fita em volta do homem, dando-lhe a sensação de que diversas mulheres o afagavam. Conhecia a indolente, que fingia estar adormecida e dava aos tímidos uma audácia que ninguém mais conseguia, deixando-os tocarem-na, manipularem-na, explorarem-na, como se não houvesse nenhum perigo em fazer isso. O corpo volumoso ocultava os seus segredos muito bem em dobras fartas; contudo, a sua indolência permitia que fossem expostos por dedos intrometidos. Maman conhecia a esguia, fogosa, que atacava os homens e fazia com que se sentissem vítimas das circunstâncias. Era a grande favorita dos culpados. Eles permitiam ser esforçados. A consciência deles ficava tranquila. Poderiam dizer às esposas: ela atirou-se em cima de mim e… Eles deitavam-se e ela sentava-se em cima deles, como num cavalo, incitando-os a movimentos inevitáveis por meio da pressão, galopando sobre a virilidade rígida, ou trotando mansamente, ou fazendo longas cavalgadas. Apertava os potentes joelhos contra os flancos das vítimas subjugadas e, como uma nobre montadora, erguia-se elegantemente e baixava, com todo o peso concentrado sobre o meio do corpo, enquanto a mão de vez em quando dava umas bofetadas no homem para aumentar a velocidade e as convulsões dele, de modo que ela pudesse sentir maior vigor animal entre as pernas. Como ela cavalga aquele animal em baixo de si, com pernas e grandes arremetidas do corpo erecto até o animal começar a espumar, e então incitá-lo, com mais gritos e bofetadas, a galopar cada vez mais rápido. Maman conhecia os encantos represados de Viviane, que viera do sul. A sua carne era como brasa ardente, contagiante, e mesmo a mais gélida das carnes aquecia ao seu toque. Ela conhecia o suspense, a lentidão. Antes de tudo, gostava de se sentar no bidé para a cerimónia de se lavar. Pernas escancaradas sobre o pequeno assento; tinha nádegas protuberantes, duas covinhas enormes na base da espinha, quadris morenos dourados, largos e firmes como o lombo de um cavalo de circo. Quando se sentava, as curvas intumesciam-se. Se o homem cansava de vê-la de costas, podia olhar de frente e observá-la jogar água sobre os pelos pubianos e entre as pernas, observá-la afastar cuidadosamente os lábios ao ensaboar. Então a espuma branca a cobria, a seguir mais água, e os lábios emergiam rosados e cintilantes. Às vezes ela examinava os lábios calmamente. Se muitos homens houvessem passado por ali naquele dia, ela veria que estavam ligeiramente inchados. O basco gostava de olhá-la assim. Ela se secava de modo mais suave para não aumentar a irritação. O basco apareceu num daqueles dias e previu que poderia beneficiar-se da irritação. Nos outros dias, Viviane estava letárgica, pesadona e indiferente. Deitava o corpo como em uma pintura clássica, de modo a acentuar os tremendos altos e baixos das curvas. Deitava-se de lado com a cabeça repousando no braço, a carne de tonalidades acobreadas distendendo-se de vez em quando, como se padecendo sob a dilatação erótica de carícias feitas por uma mão invisível. Desse modo, ela se oferecia, sumptuosa e quase impossível de estimular. A maioria dos homens nem tentava. Ela desviava a boca com desdém, oferecendo o corpo ainda mais, mas com indiferença. Podiam escancarar as suas pernas e examinar o quanto quisessem. Não conseguiam extrair nenhuma seiva dela. Mas, uma vez que um homem estivesse dentro dela, Viviane comportava-se como se ele estivesse despejando lava quente, e suas contorções eram mais violentas do que as da mulher que sente prazer porque eram dramatizadas para simular as reais. Ela se retorcia como uma serpente, arremessava-se em todas as direcções como se estivesse sendo queimada ou surrada. Músculos potentes davam aos seus movimentos um vigor que estimulava os desejos mais bestiais. Os homens lutavam para deter as contorções, para acalmar a dança orgíaca que ela realizava em torno deles, como se estivesse trespassada por algo que a torturava». In Anais Nin, A Fugitiva, L&PM Pocket, Brasil, 2012, ISBN 978-852-542-654-3.

Cortesia de L&PM/JDACT