Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Alguém sabe quem atirou
nele? O ritmo hesitante das palavras de Emily revelava o seu mal-estar. Ainda
não podia imaginar porque alguém poderia querer matar Arno Holmstrand. Sem
dúvida, o homem era a figura pública mais famosa da universidade, mas também
era velho, do ponto de vista de Emily, já tinha os seus setenta e tantos anos.
Essencialmente um homem calado, embora excêntrico. Emily não o conhecia bem.
Haviam-se encontrado algumas vezes, e Arno fizera ocasionalmente estranhos comentários
sobre a pesquisa de Emily (considerava-se uma espécie de direito adquirido que
os velhos professores colocassem objecções ao trabalho dos seus colegas mais
novos). Mas o relacionamento nunca passara disso. Eram colegas, não amigos. Isso,
entretanto, não suavizava em nada o choque. Uma morte no campus, ainda mais um assassinato,
não era notícia comum. E Emily sentia um certo apego a Holmstrand, mesmo que fosse
mais pela sua admiração pela reputação profissional dele do que por alguma
interacção pessoal.
Ninguém sabe de nada, respondeu
Jim Reynolds. Os investigadores estão no prédio dele agora. Toda a ala está
bloqueada. Vai ser assim o dia todo. Num impulso, Emily tomou outro gole do seu
café, mas, dessa vez, o gesto de trazer o copinho até a boca pareceu forçado e
óbvio, quase desrespeitoso, como se fosse uma acção normal demais para ser
realizada ante uma notícia daquele porte. Não acredito que isso tenha
acontecido, disse Maggie Larson, cuja voz ainda denunciava o seu medo. Se
alguém estava atrás dele. Ela não terminou a frase. A afirmação apenas
insinuada servia para todos: com um colega assassinado, todos se sentiam em
perigo.
Um longo silêncio dominou o
grupo, e só foi desfeito quando a campainha da escola soou. O próximo período
de aulas daquele dia estava prestes a começar; eles trocaram olhares preocupados
enquanto saíam em direcção às suas salas e obrigações. A medida que os colegas
se preparavam para sair, Emily sentiu um incómodo remorso. Era aceitável
simplesmente ir embora, cuidar da própria vida como sempre, depois de uma
conversa sobre um colega assassinado? Sem dúvida, alguma coisa precisava ser
dita, pelo menos algo para reconhecer a comoção daquele momento. Eu, bem…,
sinto muito por Arno.
Foi tudo o que conseguiu dizer.
Ficou surpresa com a intensidade da perda que sentia. A reacção emocional que
estava experimentando seria mais justificada em relação à morte de um amigo próximo,
o que Arno Holmstrand nunca tinha sido. Aileen deu-lhe um sorriso amigável e
saiu. Emily, tentando superar o choque, voltou para o seu gabinete, destrancou
a sala e entrou no pequeno ambiente. Era incrível como rapidamente o foco de um
dia mudava, como um facto trágico podia abalar as pessoas. Até o momento em que
ficara sabendo da morte de Arno, estivera concentrada em algo completamente
diferente, em imagens de um encontro que teria com o homem que amava. A última
quarta-feira antes de um feriado prolongado de Acção de Graças significava
apenas uma única aula, a primeira da manhã. O restante do dia, se tudo corresse
como havia planeado, seria dedicado aos preparativos de uma viagem muito
esperada, de Minneapolis a Chicago, de um feriado com o seu noivo, Michael.
Eles haviam-se conhecido quatro anos antes, no mesmo feriado de Acção de
Graças. Ele, um inglês estudando na sua terra natal; ela, uma ávida estudante
de mestrado fazendo pesquisa no exterior, tentando comunicar a importância da
grande tradição norte-americana para os antigos colonizadores, e esse dia para
eles se tornou especial.
Mas aquele devaneio feliz tinha
sido interrompido bruscamente. O coração de Emily agora estava disparado, a sua
adrenalina subindo, desde que soubera da notícia. Mesmo assim, tentou conter o
mal-estar e ligou o computador sobre sua mesa. O trabalho do dia não podia ser
totalmente abandonado, independentemente do choque. Abrindo o braço, Emily deixou
a correspondência que recolhera no escaninho cair sobre a mesa. Com a mente
ainda envolvida em pensamentos de assassinato e perda, não notou, a princípio,
um pequeno envelope cor de creme que estava entre dois folhetos de cores
berrantes. Os seus olhos não captaram a caligrafia estranha e elegante do
sobrescrito, nem a ausência de selos ou carimbos, muito menos a falta de
indicações de um remetente. O envelope passou despercebido do seu campo de
visão e se misturou com todo o resto». In A. M. Dean, A Biblioteca Perdida, 2012,
Editora Prumo, 2012, ISBN 978-857-927-298-1.
Cortesia de EPrumo/JDACT