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Coimbra, Julho de 1117
«(…) Com a mestria habitual, o Trava
retirou-lhe as dúvidas: Paio Mendes iria espernear, mas aceitaria, se recebesse
umas doacções! Constrói-se-lhes um mosteiro, que eles calam-se todos! A ideia
era sublime, insistiu Fernão: Bermudo ficaria satisfeito e dona Teresa ligava
os Peres Trava, a mais poderosa nobreza da Galiza, à sua própria família e
desta vez com um casamento religioso! Dona Teresa estava de tal forma
enfeitiçada por ele que, pouco depois, já aceitara aquela tortuosa solução. Qual
das minhas filhas?, perguntou. O Trava encolheu os ombros, como se fosse óbvio:
a Urraca Henriques, claro! A outra desfazia o desgraçado do Bermudo na primeira
noite. Desataram os dois à gargalhada. Sancha Henriques, a segunda filha de dona
Teresa, parecia um brutamontes nos seus modos, e já protagonizara várias cenas
de pancadaria com os que haviam tentado seduzi-la. Já Urraca Henriques, a mais
velha, aos vinte e dois anos era uma paz de alma e não fazia mal a uma mosca.
Subjugada, dona Teresa apreciou o amante, que voltara a colocar as mãos na
nuca, convencido da genialidade das suas artimanhas. Excitada com aquela
espantosa confiança, a rainha exclamou: ai amigo, folguemos mais, que me perco
por vós!
No seu posto de observação
privilegiado, a minha prima assistiu à continuação daqueles jogos de amor.
Embora nunca os tivesse praticado (tinha apenas oito anos!), Raimunda já os
vira com diversos protagonistas, espreitando em fechaduras ou frestas. Entre
homens e mulheres, era tudo quase sempre idêntico, mas a minha prima notou naqueles
dois um forte empolgamento, talvez por ser a primeira vez, ou por terem a
pressa dos traidores. Viu-os afastarem a colcha de púrpura, bem como a manta
ornamentada, e movimentarem-se, agitados, em cima da leve almocela de seda que
cobria os colchões; e viu a rainha montar o Trava, como se fosse uma amazona,
enquanto o seu peito polpudo tremelicava.
Raimunda, que era uma magricela e
parecia um rapaz, cobiçou os seios volumosos e arredondados de Teresa. Era
sabido que ela untava os mamilos com mezinhas, para os manter firmes, e a minha
prima declarou-nos mais tarde, com convicção acintosa: as outras da idade dela
têm tetas que mais parecem orelhas de perdigueiros! Ainda descreveu a rainha a
pousar a cara no pulvinar de penas, os cabelos cobrindo o godemeci de
pele de vaca que estava à cabeceira da cama, curtido e envernizado, provavelmente
fabricado na longínqua Córdova, enquanto o Trava a possuía por trás. Porém, e apesar
dos pormenores que nos forneceu, não era naquela ardente refrega que a minha prima
reflectia, deitada no telhado. Na manhã seguinte, teria de avisar seu pai,
Ermígio, e seu tio, Egas Moniz, pois o que ali ouvira soava perigoso.
Sobretudo para o seu amado Afonso
Henriques. O novo amante de Teresa era muito mais hábil do que o irmão Bermudo,
e até uma menina de oito anos sabia que são sempre os ardilosos quem mais devemos
temer. O Trava era um perigo e, se subjugava assim dona Teresa, em breve mandaria
no Condado Portucalense.
Tui, Março de 1120
Maria Gomes, com quem seis anos
mais tarde me casei, contou-me que no dia em que as tropas do arcebispo de
Compostela chegaram a Tui, ela e Chamoa tinham ido brincar para um campo verdejante
perto do castelo, na companhia da mãe de ambas.
Os
cabelos cor de mel da sua irmã mais nova, com apenas dez anos, esvoaçavam e,
envolta numa curta dalmática cor-de-rosa, Chamoa Gomes parecia uma princesa,
com uns olhos verdes de corça iluminados de alegria. Maria era um ano mais
velha e um pouco mais alta do que Chamoa, tinha o cabelo mais escuro e os olhos
castanhos, e era igualmente bonita, embora menos esfusiante, sentindo talvez que
o protagonismo principal pertencia à irmã, e a ela lhe estava reservado um
papel mais responsável, mas também mais discreto. Foi sempre assim, ao longo da
vida de ambas, e ainda bem para mim». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por
Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.
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