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O
pedido da Rainha
«(…)
Vasco Melo pertencia à linhagem dos Me1os. Era um das várias dezenas de bisnetos
do grande Martim Afonso de Melo, o velho, que fora guarda-mor d'el-rei João I.
Linhagem alentejana, seus membros principais haviam obtido as alcaidaria de Évora,
Castelo
de Vide, Serpa e Elvas. Na terceira geração, o neto primogénito de
Martim Afonso, Rodrigo Melo, ganhara o senhorio de Olivença, a que el-rei
Afonso V acrescentara o título condal. Rodrigo, e depois seu irmão Manuel,
haviam detido a capitania de Tânger. Os Melos continuavam a ser uma linhagem
influente e tinham mesmo casado a herdeira do conde de Olivença com Álvaro, tio
de Jaime, o duque de Bragança. O avô de Vasco também se instalara em Olivença,
à sombra do primo, e Vasco beneficiara de mortes e de esterilidades para se tornar
no único herdeiro do seu ramo dos Melos. Possuía, por isso, mruitas
propriedades na vila e seu termo, que lhe davam segurança económica.
Cavaleiro
itinerante, era no Alentejo que recuperava de suas fadigas, sobretudo quando
podia passar alguns dias na casa de Olivença. Além disso, a localização da vila
na margem esquerda do Guadiana tornava-a numa guarda avançada do espião, um sítio
propício para coordenar seus agentes espalhados pelo reino de Castela.
Era
perto da meia-noite, quando Vasco ouviu o som de cascos na rua. Pouco depois,
um criado apareceu. Senhor, tendes uma visita. Com os olhos postos no mapa,
disse: deixa entrar García Pacheco.
O
castelhano entrou na sala e os dois abraçaram-se. Oficiais do mesmo mestre, conheciam-se
havia nove anos, quando tinham trabalhado juntos em Roma, na defesa dos
interesses do duque de Beja na sucessão do trono de Portugal. Quando o príncipe
Afonso morrera, em Julho de 1491, João II havia tentado legitimar Jorge, o seu
bastardo, para o tornar herdeiro da Coroa Portuguesa, mas a Santa Sé resistira
aos pedidos do monarca luso. A Casa de Beja actuara discretamente, e contara
com o apoio da rainha de Castela, prima de Manuel. Vasco Melo fora enviado para
Roma, como agente da Casa de Beja e contara com a ajuda de García. Entre os
dois forjara-se uma sólida amizade, que perdurava, embora agora defendessem,
muitas vezes, interesses antagónicos. Vi vosso sinal.
Ainda
bem, Vasquito. O meu taberneiro de Cáceres ainda está vivo? Com um sorriso, García
respondeu: o António sempre foi um bom servidor da rainha. Vasco escoiceou e
deu um estalo com a língua, irritado. Ganhaste-me nesse lance, dom García. E tu
ganhaste hoje. Eu queria mesmo apanhar o teu correio. Não apanharíeis
informação relevante. García encolheu os ombros. Isso dizes tu, meu dissimulado.
Paciência. Entre nossas coroas não devia haver segredos, e nós sabemo-los quase
todos, mas estou certo que o teu rei não está a respeitar os termos do Tratado
de Tordesilhas. A rainha continua a aguardar a ocasião de organizarmos a armada
conjunta que vá explorar a linha de demarcação entre as duas coroas. Era a vez
de Vasco sorrir. Temos tido muitos assuntos de Estado a atrapalhar o apresto de
esquadra tão importante. Pois estou certo que se tivesse caçado o teu correio,
estaríamos agora a falar dessa armada das duas coroas». In João Paulo Oliveira Costa, O
Cavaleiro de Olivença, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2012, ISBN
978-989-644-184-5.
Cortesia
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