domingo, 8 de março de 2020

O Cavaleiro de Olivença. João Paulo O. Costa. «A Casa de Beja actuara discretamente, e contara com o apoio da rainha de Castela, prima de Manuel. Vasco Melo fora enviado para Roma…»

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O pedido da Rainha
«(…) Vasco Melo pertencia à linhagem dos Me1os. Era um das várias dezenas de bisnetos do grande Martim Afonso de Melo, o velho, que fora guarda-mor d'el-rei João I. Linhagem alentejana, seus membros principais haviam obtido as alcaidaria de Évora, Castelo de Vide, Serpa e Elvas. Na terceira geração, o neto primogénito de Martim Afonso, Rodrigo Melo, ganhara o senhorio de Olivença, a que el-rei Afonso V acrescentara o título condal. Rodrigo, e depois seu irmão Manuel, haviam detido a capitania de Tânger. Os Melos continuavam a ser uma linhagem influente e tinham mesmo casado a herdeira do conde de Olivença com Álvaro, tio de Jaime, o duque de Bragança. O avô de Vasco também se instalara em Olivença, à sombra do primo, e Vasco beneficiara de mortes e de esterilidades para se tornar no único herdeiro do seu ramo dos Melos. Possuía, por isso, mruitas propriedades na vila e seu termo, que lhe davam segurança económica.
Cavaleiro itinerante, era no Alentejo que recuperava de suas fadigas, sobretudo quando podia passar alguns dias na casa de Olivença. Além disso, a localização da vila na margem esquerda do Guadiana tornava-a numa guarda avançada do espião, um sítio propício para coordenar seus agentes espalhados pelo reino de Castela.

Era perto da meia-noite, quando Vasco ouviu o som de cascos na rua. Pouco depois, um criado apareceu. Senhor, tendes uma visita. Com os olhos postos no mapa, disse: deixa entrar García Pacheco.
O castelhano entrou na sala e os dois abraçaram-se. Oficiais do mesmo mestre, conheciam-se havia nove anos, quando tinham trabalhado juntos em Roma, na defesa dos interesses do duque de Beja na sucessão do trono de Portugal. Quando o príncipe Afonso morrera, em Julho de 1491, João II havia tentado legitimar Jorge, o seu bastardo, para o tornar herdeiro da Coroa Portuguesa, mas a Santa Sé resistira aos pedidos do monarca luso. A Casa de Beja actuara discretamente, e contara com o apoio da rainha de Castela, prima de Manuel. Vasco Melo fora enviado para Roma, como agente da Casa de Beja e contara com a ajuda de García. Entre os dois forjara-se uma sólida amizade, que perdurava, embora agora defendessem, muitas vezes, interesses antagónicos. Vi vosso sinal.
Ainda bem, Vasquito. O meu taberneiro de Cáceres ainda está vivo? Com um sorriso, García respondeu: o António sempre foi um bom servidor da rainha. Vasco escoiceou e deu um estalo com a língua, irritado. Ganhaste-me nesse lance, dom García. E tu ganhaste hoje. Eu queria mesmo apanhar o teu correio. Não apanharíeis informação relevante. García encolheu os ombros. Isso dizes tu, meu dissimulado. Paciência. Entre nossas coroas não devia haver segredos, e nós sabemo-los quase todos, mas estou certo que o teu rei não está a respeitar os termos do Tratado de Tordesilhas. A rainha continua a aguardar a ocasião de organizarmos a armada conjunta que vá explorar a linha de demarcação entre as duas coroas. Era a vez de Vasco sorrir. Temos tido muitos assuntos de Estado a atrapalhar o apresto de esquadra tão importante. Pois estou certo que se tivesse caçado o teu correio, estaríamos agora a falar dessa armada das duas coroas». In João Paulo Oliveira Costa, O Cavaleiro de Olivença, Círculo de Leitores, Temas e Debates, 2012, ISBN 978-989-644-184-5.

Cortesia de CL/TDebates/JDACT