Cortesia
de wikipedia e jdact
Cinema
«Já
nã se embrulham os sonhos numa sala
de
cinema. É o que sinto. Já não saio de casa para
entrar
no desconhecido tenho ansiedades
abandonadas
à sombra do sofá da minha sala.
É o
que sinto. Tudo o que me parecia longe
afinal
era uma matinê cheia de mundo.
Uma
mulher nua num cavalo, camelos das arábias
atravessando
desertos, naves inventando a
imaginação
e o tempo a marcar as memórias
de
cada um.
Quando
terminava, o silêncio das cadeiras
vazias
dizia: para a semana à mesma hora.
E era
uma espera tão longa. O coração batia
acelerado
dias e dias a fio até acontecer numa
tela
enorme, aquele beijo do cowboy numa
rapariga
mais bonita que o luar da meia-noite.
Quando
ele a beijava, as minhas mãos,
na
escuridão da sala, entrelaçavam as tuas.
Não
havia mais mundo que o nosso.
Os
suspiros do filme éramos nós
derramar
açúcar um no outro.
Quando
a actriz sofria, o medo do filme acabar
acontecia
quando tu bruscamente retiravas as
tuas
mãos das minhas, como que a dizer: este
filme
já não é a dois. Eu dizia-te que lá fora,
quando
as luzes da plateia se acenderem. A rua
será
nossa. Que andaremos de braços dados em
passos
demorados até à hora de estar em casa.
Que
as horas marcadas, serão desenhadas por
nós.
O coração não tem relógio.
Hoje,
já não guardamos em segredo os bilhetes
que
indicavam os números ímpares da fila F
e
que nos resguardavam da má-língua indiscreta.
Ir
ao cinema era marcar encontro no único sítio
onde
todos estavam lado a lado. Na matinê das
16h30
aos domingos à tarde, onde os corações se
descobriam
livros como os pássaros».
Poema de António Jorge Serafim, in As Novas
Aventuras dos Tais Quais