sábado, 28 de março de 2020

Caminho do Oriente. José Sarmento Matos e Jorge Ferreira Paulo. «O programa Caminho do Oriente envolveu um vasto conjunto de obras de recuperação de edifícios, públicos e privados, e um amplo programa de manifestações, das quais as exposições temáticas»

Cortesia de wikipedia e jdact

Guia histórico I
A Oriente. A nossa cidade
«Lisboa é uma cidade com múltiplas vivências. O percurso de uma história feita ao longo de muitos séculos marcou a cultura e a imagem da cidade, que é, no seu conjunto, um objecto patrimonial rico. Para além do valor inequívoco das muitas singularidades que marcam cada um dos seus edifícios e espaços, é a ambiência do cenário total que torna esta cidade um objecto notável, uma obra de arte onde o natural e o social se interpenetram. Esta é uma evidência com que nos deparamos em praticamente todas as zonas, desde os bairros que formam o centro histórico antigo, as áreas que de periféricas se tornaram centrais e trouxeram à cidade um perfil próprio, acrescentando novas referências à memória já rica e diversificada. Esta última situação é bem característica da coroa norte e das frentes ribeirinhas oriental e ocidental que, no século XIX se inseriram no novo perímetro urbano então ampliado, trazendo as raízes de uma existência mais antiga e passando a incorporar os testemunhos da então florescente industrialização. É esta história que Lisboa preserva no cenário urbano continuadamente vivido e apropriado ao longo dos tempos. A cidade é, sem dúvida, um excelente testemunho e uma boa narradora da sua própria história. A investigação no domínio da história das tradições e da cultura urbana têm em Lisboa um objecto apetecível, tanto pela sua riqueza e especificidade como pela quase inexistência de estudos sobre muitas áreas. A zona oriental, até ao limite do concelho, é um território que apenas tem sido abordado sectorialmente em temas monográficos específicos. E, no entanto, as memórias estão aqui bem visíveis no seu património construído, na toponímia, na morfologia urbana. Mas foi preciso reconhecê-lo, dar-lhe legibilidade, estudá-lo. Foi precisamente esta descoberta assente numa investigação profunda que o Caminho do Oriente nos trouxe. A valorização do percurso urbano através de acções de requalificação e de animação, provou que esta parte da cidade, até há pouco tempo quase desconhecida para muitos lisboetas, é um património vivo, de grande valor histórico, artístico, urbanístico, antropológico e sociológico. Resultando de uma parceria entre a CML, a Ambelis e a Parque Expo e tendo como pano de fundo a Exposição
Mundial de Lisboa, o Caminho do Oriente é agora uma referência no imaginário dos que vivem e amam Lisboa. A requalificação e a valorização da cidade, continua com novas intervenções em curso e programadas e com a animação dos equipamentos culturais, de modo a criar e a reforçar as respectivas centralidades. O trabalho de levantamento, investigação e análise realizado foi fundamental. Por isso, esta obra é uma referência imprescindível para todos os que queiram investigar e intervir na cidade. Aos coordenadores e autores, com destaque muito especial ao dr. José Sarmento Matos e todos os colaboradores, editores, promotores e também seguramente aos leitores, o nosso reconhecimento. E, também, o desafio para novos percursos pelo Caminho do Oriente». In Maria Calado, Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, 1999

«Durante demasiado tempo vivemos esquecidos de Lisboa, da sua condição de cidade inteira: esquecemo-nos do oriente. Para aqui, onde outrora se desenvolviam quintas, palácios e mosteiros, convergiram nos anos deste século armazéns e indústrias, tudo mais ou menos desordenado, porque a falsa ordem que nos regeu durante cinquenta anos era feita de abandono e segregação. Lisboa foi-se esquecendo de que uma parte da sua história partiu desta metade imperfeita que se julga traçada a partir do eixo imaginário que liga o Parque Eduardo VII à Praça do Comércio. Só nos últimos anos a cidade voltou a olhar para si própria e, nesse movimento, para a sua metade leste, que confina com a extrema ocidental do concelho de Loures. A partir de 1997, e ao mesmo tempo que decorria em contra-relógio o trabalho colossal de remodelação de 330 hectares em torno da Doca dos Olivais, para acolher a Exposição Mundial de Lisboa, a Expo'98 e a Câmara Municipal de Lisboa lançavam um programa de recuperação e animação dos bairros orientais até se atingir a zona onde hoje, extintos os fogos da Exposição, se abre ao público o Parque das Nações. O programa Caminho do Oriente envolveu um vasto conjunto de obras de recuperação de edifícios, públicos e privados, e um amplo programa de manifestações, das quais as exposições temáticas e fotográficas, a animação dos Armazéns Abel Pereira Fonseca e o plano de edições constituem marcos salientes. Não temos ainda recuo para proceder a um balanço da experiência. E é até desejável que não haja balanço possível, isto é, colunas fechadas de deve e haver, porque o processo de devolução do oriente à nossa cidade não pode parar. O que começou, nestes auspiciosos anos noventa, foi o princípio de uma revolução, esta sim, permanente, a exigir mais imaginação, mais criatividade e mais audácia, para recuperarmos o tempo absurdamente perdido, enquanto o Tejo se espreguiçava indolente, doente do tédio que lhe inspirava a distracção dos homens. Neste trabalho de recuperação de memória é indispensável pôr hoje em relevo quem lhe deu asas e forma, quem o trouxe pela mão e o enformou com um discurso culto e sensível, de lisboeta apaixonado. Os guias que rematam esta etapa da aventura de redescoberta do oriente de Lisboa aí estão para testemunhar a qualidade singular do trabalho desenvolvido por José Sarmento Matos, em investigação que se anunciara logo em 1993 com o magnífico álbum Um Passeio a Oriente (Edição Expo'98/Metropolitano de Lisboa), mas que encontrou, na coordenação-geral do programa Caminho do Oriente, aqui com a valiosa colaboração de Jorge Custódio, Deolinda Folgado, Luísa Arruda e Jorge Ferreira Paulo, a expressão mais completa da sua identificação com o pulsar da cidade, da sua história passada, mas também dos seus ritmos presentes e da sua ambição de futuro. Não sei se Lisboa lhe deve alguma coisa; mas, como lisboeta, sei que lhe devo o enumerar de algumas das principais razões pelas quais milhares de portugueses se empenharam, durante anos, em fazer, do oriente de Lisboa, a nossa cidade». In António Mega Ferreira

In José Sarmento Matos e Jorge Ferreira Paulo, Caminho do Oriente, Livros Horizonte, 1999, ISBN 972-241-057-1.

Cortesia de LHorizonte/JDACT