sexta-feira, 13 de março de 2020

Bonus Rex ou Rex Inutilis. José Varandas. «Não há dúvida que foram mui urgentes as causas que obrigaram ao Sumo Pontífice privar a el-rei dom Sancho do governo do reino, e a mandar em seu lugar o infante Afonso. Mal se pode desculpar el-rei dom Sancho…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Sancho II de Portugal. Um Conspecto Historiográfico

Com a devida vénia ao Doutor José Varandas

Fr. António Brandão (1632). Quarta parte da Monarchia Lusitana que conthem a Historia do reyno de Portugal, desde o tempo delRey D. Sancho I, até o reynado delRey D. Affonso III. Lisboa, ed. por Pedro Crasbeek, 1632
«(…) Um dos problemas que o conde de Bolonha teria de enfrentar ao desembarcar em
Portugal, além da hoste de guerra do seu irmão, seria o da aceitação da sua autoridade no reino. Fr. António Brandão acompanha algumas das narrativas e delas retira a ideia de que um conjunto apreciável de terras e lugares do reino se opôs à entrada de dom Afonso, como curador da terra portuguesa. Desses exemplos de lealdade põe em destaque a resistência de vilas como Óbidos, Celorico e Coimbra, respeitando desta forma o quadro da tradição cronística que refere para esses locais, em especial para os dois últimos, momentos épicos de resistência ao vitorioso exército de Afonso, conde de Bolonha. Não deixa, no entanto, de referir, por comparação aqueles que muito cedo traíram o rei legítimo, como as acções vis dos familiares de Soeiro Bezerra ou a traição do alcaide de Leiria, e cuja descrição encontrou no Nobiliário do conde Pedro Barcelos. Outro aspecto, a que recorrentemente, a historiografia portuguesa volta, quando aborda o reinado de Sancho II, é o que diz respeito às notícias de agravos e desmandos que o rei de Portugal, por intermédio dos seus oficiais e validos, fazia às liberdades eclesiásticas. Como muitas outras, também estas informações já encontram lugar na narrativa de António Brandão. Contudo, a sua perspectiva volta-se para o facto de os desmandos de que a Igreja se queixava serem perpetrados por elementos ligados à coroa, mas sem conhecimento ou autorização do rei. As reacções da hierarquia eclesiástica são abordadas e indicadas as várias bulas papais com que o clero admoestava o rei português, procurando com isso levá-lo a tomar uma atitude mais firme sobre os seus homens.
Responde o monge de Cister com o relato de obras pias, fundações de casas religiosas e generosas dotações fundiárias a ordens militares, bispados e abadias, um pouco por todo o país, o que contrastava abundantemente com as informações suspiradas pelas crónicas do passado, que davam conta apenas da incapacidade e insensibilidade do rei para com as coisas do clero. Por exemplo, podemos citar: mando se dê para as obras dos frades pregadores de Santarém trezentos maravedis e se reparta com eles da minha madeira de Lisboa e de outros lugares meus, a que lhes for necessária. Aliás, Franciscanos e Dominicanos foram largamente apoiados e financiados por dom Sancho, e Brandão não se cansa de dar exemplos dessa intensa ligação entre o soberano e aquelas ordens. Vastas páginas tratam da questão da deposição do rei em 1245, e como a ela recorreremos incessantemente, aqui deixamos o que nos parecem ser as principais opiniões de fr. António Brandão:

Não há dúvida que foram mui urgentes as causas que obrigaram ao Sumo Pontífice privar a el-rei dom Sancho do governo do reino, e a mandar em seu lugar o infante Afonso. Mal se pode desculpar el-rei dom Sancho, nem nós o queremos livrar, nem ainda podemos, pois anda incerta no corpo do direito canónico a bula de sua deposição em que vêem apontadas as cousas que moveram ao papa a fazer um extremo tão grande, como foi excluir a um rei do governo e administração de seu reino.

Resume, desta forma, o facto incontestável de que o rei foi deposto. Cita as diversas queixas formuladas junto da Santa Sé e a inevitabilidade política dessa mesma deposição. Curiosamente cita dois governantes de grande poder na Europa daquele tempo, e que estarão para sempre ligados, de maneiras diferentes, à deposição do seu congénere português. São eles, Frederico II, o imperador deposto no Concílio de Lyon, uma semana antes de Sancho e Luís IX, rei de França, patrono de Afonso de Bolonha e protector do papado. Voltaremos a falar deles.
Lá estão, em Lyon, em plena actividade conciliar, os prelados portugueses mais envolvidos do que nunca na conjura para deporem o seu rei. Nomeia-os a todos: João, o arcebispo de Braga, Pedro, o bispo do Porto, Tibúrcio, bispo de Coimbra e junta-lhes laicos. Estes são nobres e vêem de Portugal, supostamente como embaixadores nomeados pelo rei, atitude que Brandão considera cínica. São eles Rui Gomes Briteiros, infanção e mais tarde rico-homem do rei Afonso III e Gomes Viegas [Portocarreiro]. Importante é para Brandão o entendimento que o Bolonhês estabelece com aqueles prelados portugueses no coração do reino francês. Em Paris, e sob os auspícios do rei de França, Afonso de Bolonha, jura perante diversas testemunhas e pelos Evangelhos, o seguinte, que Brandão não resistiu em transcrever:

Eu, dom Afonso, conde de Bolonha, filho de dom Afonso de ilustre memória, rei de Portugal, prometo e juro sobre estes Santos Evangelhos de Deus, que por qualquer título que alcançar o reino de Portugal, guardarei e farei guardar a todas as comunidades, conselhos…
[…]

In José Varandas, Bonus Rex ou Rex Inutilis, As Periferias e o Centro. Redes de poder no reinado de Sancho II (1223-1248),Ude Lisboa, FdeLetras, DdeHistória, Tese de Doutoramento em História, História Medieval, 2003, Wikipedia.

Cortesia de Ude Lisboa/ FdeLetras/ DdeHistória/JDACT