segunda-feira, 30 de março de 2020

Caminho do Oriente. José Sarmento Matos e Jorge Ferreira Paulo. «Da mesma forma se autonomizou o vastíssimo património azulejar, desde finais do século XVI até à actualidade, numa investigação realizada por Luísa Arruda e que irá contribuir…»

Pormenor de pintura mural decorativa do Palácio dos Duques de Lafões, 1.ª metade do século XIX
Cortesia de wikipedia e jdact

Guia histórico I
A Oriente. A nossa cidade
Descobrir o Oriente
«(…) A partir da escolha do limite da Zona Oriental de Lisboa para implantação da Exposição Mundial de Lisboa de I998, impôs-se de imediato um olhar atento sobre uma área vastíssima da qual pouco ou nada se conhecia, quer na sua evolução histórica, quer quanto ao património de variada ordem nela existente. Com efeito, desde Júlio Castilho que os estudiosos olisiponenses privilegiaram o casco antigo da cidade intramuros, rareando por isso a informação trabalhada sobre a restante parcela oriental do concelho de Lisboa. Corno excepção destaque-se o trabalho isolado, mas precioso, de Ralph Delgado sobre os Olivais e um ou outro caso pontual de informação dispersa sobre algum edifício mais conhecido. Impunha-se, pois, partir do zero, tentando definir-se, por um lado, a unidade estruturante de uma zona da cidade, individualizando-se, por outro, os edifícios mais interessantes, (A Fortuna, painel de azulejos do início do século XVIII numa das capelas do claustro de Santos-o-Novo), quer na sua riqueza patrimonial e artística, quer nas informações históricas que podem fornecer.
Decidiram, assim, os responsáveis pela EXPO '98 iniciar imediatamente um levantamento patrimonial da Zona Oriental, cujos primeiros resultados se consubstanciaram na publicação do livro Lisboa, Um Passeio a Oriente, edição da Parque EXPO e do Metropolitano de Lisboa (1994). O carácter provisório da investigação então recolhida, ainda pouco aprofundada, não pareceu óbice para que essa leitura impressionista de uma realidade desconhecida desempenhasse a função primordial de chamar a atenção para uma riqueza insuspeitada pela maioria dos lisboetas, mesmo correndo-se o risco de se avançar com informação pontualmente provisória que, num caso ou noutro, felizmente poucos, a continuação do trabalho não confirmou. Mas o objectivo fundamental foi atingido. Através dos textos e do acervo fotográfico, tornou-se evidente a dimensão do que estava em jogo, criando-se as condições indispensáveis para que esse levantamento fosse prosseguido e alargado, integrado agora não numa mera acção de estudo historiográfico mas, sim, num programa mais ambicioso em que a componente de investigação se inseria num projecto de reabilitação e de animação de uma área específica da cidade.
O início do programa Caminho do Oriente em Novembro de 1996 veio criar as condições para se prosseguir a investigação sobre a Zona Oriental, impondo em simultâneo algumas limitações físicas do seu âmbito. Com efeito, ao restringir-se por razões de eficácia de meios o programa ao antigo percurso ribeirinho até Marvila, ficaram de fora importantes áreas, como Chelas, os Olivais ou parte da Estrada de Marvila, com prejuízo de uma visão mais ampla do conjunto mas permitindo, em contrapartida, a objectivação mais detalhada da investigação, estudando-se com maior rigor e pormenor a área efectivamente abrangida. No entanto, o relevo da zona do Vale de Chelas e a sua estreita conexão com o percurso em análise impôs que o mesmo fosse integrado no trabalho final, ainda que sob a forma sumária de um simples passeio. A dimensão do património e as características próprias da evolução da área em estudo condicionaram também as linhas do projecto de investigação e as suas balizas cronológicas. A história da Zona Oriental de Lisboa divide-se muito nitidamente em duas grandes épocas, separadas pelo rasgão físico que o caminho-de-ferro veio introduzir, criando as condições para o posterior desenvolvimento industrial.
Apesar de se terem já instalado algumas indústrias a partir da segunda metade do século XVIII, inicialmente com carácter quase exclusivamente manufactureiro, a tonalidade geral da zona mantinha-se essencialmente rural, com um ou outro pólo urbano rudimentar, como Santa Apolónia, Xabregas ou Marvila. Eram os conventos e as quintas que pontuavam e davam o tom ao sítio, profundamente ligado, assim, à estrutura social e económica do Antigo Regime. É sobre esse tecido muito específico que a industrialização se vai inserir, por vezes readaptando edifícios anteriores a novos usos, numa promiscuidade criativa que para sempre marcou esta parte de Lisboa e lhe concede no todo urbano um lugar à parte. Dado o carácter especializado da investigação sobre o período industrial, tornou-se indispensável o recurso a estudiosos credenciados, com métodos de trabalho e pistas de investigação autónomas. Solicitou-se, assim, a Jorge Custódio e a Deolinda Folgado a realização de um Guia do Património Industrial que abrangesse também a dinâmica social dos bairros operários e outros equipamentos dela emergentes. Da mesma forma se autonomizou o vastíssimo património azulejar, desde finais do século XVI até à actualidade, numa investigação realizada por Luísa Arruda e que irá contribuir para uma nova abordagem do azulejo de interior e de fachada, não só como elemento estético decorativo, mas também como pólo de uma actividade social e económica cuja importância na história da cidade tem sido pouco realçada». In José Sarmento Matos e Jorge Ferreira Paulo, Caminho do Oriente, Livros Horizonte, 1999, ISBN 972-241-057-1.

Cortesia de LHorizonte/JDACT