segunda-feira, 4 de março de 2013

Narração da Inquisição de Goa. Charles Dellon. Miguel Vicente Abreu. «… E deste tribunal, os poucos homens vivos, que o alcançaram já em decadência, pouco ou nada diriam que valesse para o material dum trabalho sólido e seguido ou duma noção histórica imparcial…»

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«Essa interessante leitura excitou muito a nossa curiosidade; o assunto era importantíssimo, esclarecia-nos a nós e à geração actual de Goa sobre uma instituição que, como dissemos, por longos anos presidira aos destinos dela; fora o maior terror dos nossos avoengos, ecoara nas cinco partes do mundo pela sua inaudita tirania; conservara a mais absoluta independência dos nossos antigos vice-reis em tempos em que eles ostentavam por toda a parte o seu grande poder, sendo-lhes todavia vedado intrometerem-se unicamente no quanto tocasse às coisas do Santo Oficio (maldito); de falarem a respeito dos culpados nele; e mandando-se até por ordem da corte aplicar exclusivamente para as despesas do tribunal e pagamentos dos seus ministros uma das rendas da cidade, bem como para se tornar mais livre a acção do tribunal e sobranceira à influência do poder civil, que só devia dar-lhe ajuda e favor em tudo que por ele lhe fosse requerido!
E deste tribunal, os poucos homens vivos, que o alcançaram já em decadência, pouco ou nada diriam que valesse para o material dum trabalho sólido e seguido ou duma noção histórica imparcial, bem averiguada e minuciosa nas suas diferentes circunstâncias e especialidades.

Colocados neste terreno, estivemos alguns anos de expectativa; e finalmente entendemos mesmo na nossa deficiência fazer algum serviço à história pátria e aos nossos concidadãos em aproveitar o ensejo e dar-lhes vertido, com a vénia do dono, o mesmo livro, que é tão digno da versão, que dele nos diz o sábio Ferdinand Denis:
  • Muitos viageiros pintaram com grande energia os tormentos que a inquisição de Goa (maldita) fazia padecer a seus presos; mas o mais minucioso sem contradição e o mais moderado a todos os respeitos é um médico francês chamado Dellon, que escreveu um tratado especial sobre este tribunal, do qual foi uma das últimas vítimas.
Parecer este tão autorizado quanto conforme com o geral dos escritores nacionais e estrangeiros; e entre os últimos apontaremos o moderno viajante inglês, reverendo Claudio Buchanan, vice proboste do colégio do Fort William, em Calcutá, que na sua obra Christian Researches in Asia, Londres, 1811, dedicou algumas páginas à visita que lhe fez em Goa no ano de 1808, vindo com o mesmo livro de Dellon no bolso [...]. Não nos demoveu do nosso propósito saber que alguns capítulos do livro de Dellon andam introduzidos na chamada Historia Completa das Inquisições de Portugal, Espanha e ltália publicada em Lisboa no ano de 1821, porque esta obra só aproveitou o que fazia ao seu intento; omitiu muita coisa importante; alterou diferentes lugares; introduziu matéria estranha ao livro original, etc. [...]». Nova Goa, 17 de Agosto de 1866, Miguel Vicente de Abreu, In Charles Dellon (1649-1709?), Relation de L’Inquisition de Goa, 1687, Leyden, Holanda, Narração da Inquisição de Goa, tradução e notas de Miguel Vicente Abreu (1827-1883), Nova Goa, 1866, Edições Antígona, Lisboa, 1996, ISBN 972-608-075-4.

A saudade do Álvaro José (onde quer que estejas!)
Cortesia de E. Antígona/JDACT