segunda-feira, 4 de março de 2013

A Vida Quotidiana no Egipto no Tempo das Pirâmides. Guillemette Andreu. «… o sistema ideográfico não serve. A dificuldade é então contornada através do emprego dos mesmos sinais, não para representar o objecto que figuram, mas pelo seu valor fonético»



jdact e cortesia de josemanuelreis

O Tempo das Pirâmides
O Nilo fértil
«Em tais condições, podemos estimar a superfície do Egipto do tempo das pirâmides em aproximadamente 8000 km2. As inundações são um fenómeno natural, que engrossa o Nilo com a chuva da monção, vinda anualmente da Etiópia em meados de Julho para cobrir a planície com cerca de metro e meio de água. Quando, pelo Outono, o rio torna ao seu leito, as cheias depuseram nas terras alagadiças um manto de lodo fértil cuja presença favorece a eclosão de uma agricultura extensiva, de uma economia próspera e de um modo de vida específico. A partir do III milénio, a estação húmida que dotava o clima do Egipto de uma pluviosidade fraca mas regular vai-se atenuando pouco a pouco e dá lugar a uma aridez semelhante à de hoje. De um modo geral, o sol brilha todos os dias; as raras chuvas e tempestades não escurecem o céu mais do que algumas horas por ano.
Estas intempéries são então sentidas como manifestações ameaçadoras das forças maléficas e o regresso do sol assinala a vitória do bem sobre o mal. Os Egípcios cedo elaboram um calendário de 365 dias repartidos por doze meses lunares. É graças à regularidade das cheias do Nilo e às observações dos astrónomos que chegam a esse resultado, necessário à organização das colectas fiscais destinadas a alimentar assiduamente os celeiros do Estado. O ano novo coincide com o nascimento helíaco da estrela do Cão, a nossa Sírio, que ressurge anualmente a leste ao nascer do sol, acompanhando os primeiros sinais das cheias, por volta de 19 de Julho.
Os três grandes períodos agrícolas do Egipto, ritmados pelas cheias do rio, determinam as estações. A primeira é a da inundação (akhet), que cobre as terras de meados de Julho a meados de Novembro, trazendo a água salvadora nos dias mais quentes do ano. Segue-se a estação do ressurgimento (peret), ou seja, do retorno das águas ao seu leito e do reaparecimento dos campos, agora ensopados. É durante esta estação, de meados de Novembro a meados de Março, que os camponeses trabalham a terra. De meados de Março a meados de Julho, é a estação da seca (shemu), que marca o fim das colheitas, altura em que a terra fica gretada e o rio desce ao seu nível mais baixo.

O nascimento da escrita
Para registar datas e acontecimentos, cálculos ou belas narrativas, depressa se fez sentir a necessidade um sistema de notação gráfica, permitindo o desenvolvimento da escrita hieroglífica, ao mesmo tempo que nascia a civilização faraónica. Incorrectamente baptizados hieróglifos (escrita sagrada) pelos Gregos, os sinais utilizados são pictogramas cujo desenho representa uma realidade concreta do ambiente egípcio: fauna, flora, edifícios, móveis e, naturalmente, seres humanos e divindades. Se, por exemplo, o texto que se quer escrever contém as palavras gato e criança, desenha-se um gato ou uma criança, empregando um sinal-palavra, ou ideograma. Porém, para exprimir ideias abstractas, como pensar, amar, ou estar triste, o sistema ideográfico não serve. A dificuldade é então contornada através do emprego dos mesmos sinais, não para representar o objecto que figuram, mas pelo seu valor fonético. Assim, o pictograma do olho (que se pronuncia ir) surge na palavra olho enquanto ideograma e entra na composição escrita da palavra irtyw, azul, enquanto fonograma». In Guillemette Andreu, L’Egypte au Temps des Pyramides, Hachette Littérature, 1999, A Vida Quotidiana no Egipto no Tempo das Pirâmides, Edições 70, Lisboa, colecção de História Narrativa, 2005, ISBN 972-44-1237-7.

Cortesia de Edições 70/JDACT