Relação entre Portugal e Marrocos
«(…) Dois cherifes, descendentes de Ali, fixaram-se, no fim
do século XIII, no sul de Marrocos. O primeiro, estabelecido no vale de Draa, originou a dinastia dos
cherifes saadios, que, depois de
vencer os Merinides, governou em
Marrocos até 1659. O segundo,
estabelecendo-se em Sidjilmassa, é o fundador dos cherifes hassanides que substituíram os cherifes saadios, cujos descendentes ainda hoje
governam em Marrocos. A dinastia
hassanide atingiu o apogeu do seu poder sob Mulai-Abu-Nacer-Ismais
(1672-1727),
o qual, apoiado por negros, dominou os berberes, rasgou o país de estradas,
engrandeceu a sua residência em Meknes, expulsou os portugueses das
costas do Atlântico e, em 1684 tirou
Tânger à Inglaterra, que nós
lhe havíamos cedido em 1661.
A Espanha continuou na posse de Ceuta, que Portugal lhe cedera em 1668.
Morto aquele enérgico chefe, a sua dinastia foi
enfraquecendo sempre e as tribus berberas
de Marrocos têm, depois daquela morte, vivido independentes. Quer dizer: teria sido
possível a Portugal, com firme e hábil política, criar, defender, sustentar e
engrandecer uma prolongação do seu domínio no Gharb d'álem mar. Mais facilmente o teria feito do que sustentar o império
da Índia, onde ficou perdido muito e mal empregado esforço de gente portuguesa.
Hoje, Marrocos é um anacronismo junto à civilização europeia.
O Maghreb e Aksa é o extremo ocidente
impenetrável e feroz. Ainda até há pouco os navios que se aproximavam das
costas do Rif corriam grave risco. As potências rivais deixaram
prolongar aquele desafio contra a civilização. A França, que tinha em Marrocos
uma fronteira de 1000 quilómetros, justifica os seus direitos sobre o desmantelado
império. Já pela declaração de 8 de Abril de 1904 a Inglaterra reconhecera os
direitos da França sobre Marrocos pela sua ligação com a Algeria e a Tunísia. Portugal
poderia ter realizado em Marrocos a obra que a França pôde realizar na Algeria,
a nova França. Marrocos é a região do norte de África mais valiosa e favorecida;
lá a invasão árabe não foi devastadora.
A região marroquina é a mais arborizada, e ali as chuvas são
abundantes e regulares. A cordilheira do Atlas defende Marrocos da
devastação do deserto. O litoral marroquino é extraordinariamente fértil. O
subsolo, pouco conhecido, é presuntivamente tão rico como o da Argélia e o da
Espanha. Está ali uma grande riqueza a explorar, e que grandeza não teria Portugal
atingido, se, em vez de andar mundo fora a procurar experiências distantes, se
habilitasse, na tradição mineira de Adiça,
a desenvolver as indústrias agrícola e extractiva nos campos vastos dos seus
naturais domínios.
É Marrocos a região do norte africano onde a influência dos
invasores tem sido mais passageira. Ali domina o fanatismo muçulmano mais vivo.
Os dez milhões de marroquinos são ferozes contra os cristãos. Mas isso não prova
que os portugueses não pudessem, ali mais facilmente do que na Índia, prolongar
o seu império. Os marroquinos nunca puderam organizar-se em poder regular. Ao
lado do blad-el-maghzen (país do governo) existe o bad-el-esciva (país dos insubmissos). A região de
Marrakech e a de Fez, bem como o Gharb
propriamente dito, têm organização de governo.
O Gharb é um
maravilhoso país agrícola, sobretudo para a criação de gados. O Rif e a região montanhosa dos Braber
são ocupados por sociedades anárquicas, sectárias e incultas. O país de Jabala
é de gente insubmissa, como em regra toda a região montanhosa marroquina.
No século XVI, Marrocos era um país sem segurança, sem governo, e, graças a
certas aproximações étnicas, nenhum povo europeu poderia melhor que o português
realizar a obra da civilização e organização marroquina. Esta obra, porfiada e
útil, não a quiseram realizar os homens de Portugal, enleados na obra
aventurosa e dispersiva do domínio através dos mares. E grande podia ter sido a
obra de Portugal em Marrocos, onde ainda hoje não há comunicações com o
interior. Há apenas, nas regiões menos desorganizadas, algumas nzalas, espécie de casas de refúgio. Ainda hoje, para ir de Marrakech a Fez, é
necessário passar pela região de Rabat para evitar os latrocínios de Zaian
e Zemmur». In Barroso da Fonte, Guimarães e as Duas Caras, Editora Correio do
Minho, 1994, ISBN 972-95513-8-3.
Cortesia de Guimarães/JDACT