O Mistério. Cidade de Mistério
«(…) Ao voltar a
Rennes-le-Château, Saunière completou a restauração da igreja. Teria exumado
então um bloco de pedra, curiosamente esculpido, datado do século VII ou VIII,
que estaria cobrindo uma câmara funerária na qual esqueletos teriam sido
encontrados. Saunière embarcou também em projectos mais singulares. No jardim da
igreja, por exemplo, havia o sepulcro de Marie, marquesa de Hautpoul de
Blanchefort, desenhado e construído pelo abade Antoine Bigou,
predecessor de Saunière, um século antes, aparentemente autor de dois dos
misteriosos pergaminhos. A inscrição na pedra sepulcral, que incluía vários
erros deliberados de soletracção e de espaço, era um anagrama perfeito para a
mensagem contida nos pergaminhos referindo-se a Poussin e Teniers.
Quando as letras eram rearranjadas, formavam a asserção críptica que já
reproduzimos. Os erros pareciam ter sido planejados precisamente com este fim.
Sem saber que as
inscrições na tumba da marquesa já haviam sido copiadas, Saunière as obliterou,
e essa profanação não foi o único comportamento curioso que ele exibiu.
Acompanhado de sua fiel governanta, começou a fazer longas caminhadas pelo
campo, coletando pedras sem nenhum valor ou interesse aparentes. Também embarcou
numa troca volumosa de cartas com correspondentes desconhecidos em toda a
França, bem como na Alemanha, Suíça, Itália, Áustria e Espanha. Começou a coleccionar
pilhas de selos sem valor e efectuou transacções suspeitas com vários bancos.
Um deles até enviou um representante, que viajou de Paris a Rennes-le-Château com
o único objectivo de tratar de negócios com Saunière.
Só com despesas de
correio Saunière estava gastando mais do que seu salário poderia cobrir. E em 1896 ele começou a gastar verdadeiramente,
numa escala surpreendente e sem precedentes. Ao final de sua vida, em 1917, suas despesas haviam atingido o equivalente
a vários milhões de dólares. Uma parte dessa inexplicada riqueza foi empregada
em excelentes obras públicas, a construção de uma estrada moderna até à cidade,
por exemplo, e a introdução de facilidades para água corrente. Outras despesas
foram mais quixotescas. Uma torre foi levantada, a Torre Magdala, com vista para a montanha. Uma opulenta casa de
campo foi construída, chamada Villa
Bethania, que Saunière pessoalmente nunca ocupou. E a igreja não só foi
decorada de novo, como o foi de um modo muito bizarro. No pórtico, acima da
entrada, a seguinte inscrição foi gravada: Terribills
est Locus Iste (Este local é
terrível).
No interior, logo na
entrada, foi erigida uma estátua horrenda, uma representação do demónio
Asmodeus, detentor de segredos, guardião de tesouros escondidos e, segundo
antiga lenda judaica, construtor do Templo
de Salomão. Nas paredes da igreja, placas ostensivamente pintadas
representavam as estações da Via Sacra. Cada uma delas era caracterizada por
alguma estranha inconsistência, algum detalhe inexplicável, algum desvio,
flagrante ou subtil, da narrativa oficial das Escrituras. Na estação VIII, por
exemplo, havia uma criança envolta numa capa escocesa. Na estação XIV, que
retrata o corpo de Jesus sendo levado à tumba, aparecia um fundo de céu nocturno,
escuro, dominado por uma lua cheia. Como se Saunière estivesse tentando dizer
algo. Mas o quê? Que o enterro
de Jesus ocorreu após o início da noite, várias horas depois do que diz a Bíblia? Ou que o corpo estaria sendo
levado para fora da tumba e não para
dentro dela?
Enquanto realizava esses
adornos curiosos, Saunière continuou a gastar de maneira extravagante, coleccionando
porcelana rara, tecidos preciosos e mármores antigos, criando um jardim e um
zoológico e reunindo uma biblioteca magnífica. Pouco antes de sua morte ele estava,
supostamente, projectando a construção de uma torre como a de BabeI, forrada de
livros, de onde pretendia pregar. Seus paroquianos tampouco foram
negligenciados. Saunière lhes presenteava com banquetes sumptuosos e outras
generosidades, mantendo assim o estilo de vida de um potentado. Em seu remoto e
ao mesmo tempo próximo e inacessível ninho de águia, recebia inúmeros hóspedes
ilustres. Um deles, é claro, era Emma Calvé.
Outro era o ministro da Cultura do
governo francês. Talvez o mais augusto visitante do desconhecido padre
provinciano tenha sido o arquiduque Johann Von Habsburgo, um primo de
Franz Josef, imperador da Áustria. Extractos bancários revelaram depois que Saunière
e o arquiduque haviam aberto contas no mesmo dia, e que este último havia
transferido para a conta do primeiro uma soma substancial. As autoridades
eclesiásticas fizeram, no início, olhos de mercador sobre o assunto. Contudo,
quando o superior de Saunière morreu, em Carcassonne, o novo bispo tentou
chamar o padre à ordem. Saunière respondeu com uma desobediência inesperada e insolente.
Recusou-se a explicar sua riqueza e a aceitar a transferência que o bispo
ordenava. Na falta de uma acusação mais substancial, o bispo acusou-o de vender
missas ilicitamente, e um tribunal local suspendeu-o. Saunière apelou para o
Vaticano, que o exonerou e depois o reinvestiu». In Michael Baigent,
Eichard Leigh, Henry Lincoln, O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, 1982,
tradução de Nadir Ferrari, Editora Nova Fronteira, 1993, ISBN: 852-0904-74-2, O
Sangue de Cristo e o Santo Graal, Editora Livros do Brasil, Colecção o
Despertar dos Mágicos, Lisboa, tradução de Elsa Vieira, 2004, ISBN
972-38-2651-8.
Cortesia Nova Fronteira/Livros do Brasil/JDACT