Um Retrato. Traços Físicos e psicológicos
«(…) O vestuário e o calçado de D. Maria eram, como seria de esperar,
ricos e variados, quer na tipologia das peças quer em tecidos quer ainda em
cores. Encontramos abetos, boinas, botins, chapéus, coletes, cotas, mangas,
manguinhas, marlotas, meias, saias, saios, de entre outros, confeccionados com
recurso a cetins, chamalotes, tafetás e veludos, e frequentemente adornados com
jóias. Cromaticamente, estavam presentes o amarelo, o azul, o branco, o encarnado,
o preto, roxo e o verde. Lugar ainda para um acessório oriundo do Extremo-Oriente,
o leque. O já referido quadro de 1552
de Anthonis Mor Van Dashorst, que se acha no Convento das Descalças
Reais, em Madrid, representa a infanta com um leque, o que acontecia pela primeira
vez na pintura europeia, sendo um sinal evidente de prestígio.
A filha mais nova de Manuel I possuiu numerosas jóias e peças de
ourivesaria, algumas das quais oriundas da Índia. Entre as mesmas achavam-se
anéis, broches, colarinhos, colares, cintas, firmais e pingentes, quase todos
de ouro e alguns guarnecidos com diamantes, esmeraldas e rubis. As pérolas
também marcaram presença, assim como diamantes, esmeraldinhas e rubinetes
soltos. De todo este património, avaliado em 70 mil, ducados quando a infanta
morreu, apenas chegou até hoje um par de pingentes de esmeraldas e ouro, que se
conserva no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.
O particular do uso de pérolas maravilhou um embaixador francês, Jean
Nicot. Em Setembro de 1559, o mesmo
referia-se-lhe, em carta a Catarina de Médicis, viúva de Henrique II, como si richement estoit parée que'il sembloit
qu'il ne fut demourre Pierre ni perle en lorient. Numa outra missiva, do
mesmo dia, desta feita a Maria Stuart, então rainha de França, pelo seu casamento
com Francisco II, acrescentava: estoit si
richement drapée de perles et pierreries diverses, que le soleil nest pas plus
brillant.
Dos seus bens móveis fizeram parte um dossel de veludo carmesim, que o
único irmão sobrevivente, o cardeal Henrique, comprou, após a sua morte, um
cofre de prata dourada guarnecido de jaspe, ouro e lapizlazuli, várias arcas e
caixas e caixões de couro, um viril de cristal, um relógio dourado de latão e
ainda aprestos para montar, desde silhão a almofadas de veludo, passando por
selas, rédeas de prata e teliz. Entretanto, em 1581, a sé de Évora, por ordem do arcebispo Teotónio de Bragança,
comprou, por 600 mil reais, certos panos de
tella que foram da infante dona Maria.
As fontes dizem-nos muito pouco sobre a sua saúde. Em Abril de 1530, portanto, com quase nove anos,
teve sarampo, ao mesmo tempo que uma sua homónima, filha de João III, que ainda
não tinha completado três anos. Depois, não se conhecem outras maleitas a não
ser, como é evidente, a que a conduziu à morte. Globalmente, é de crer que
tenha sido relativamente saudável. Muito pouco se sabe sobre a alimentação de
D. Maria. Frei Miguel Pacheco refere que, embora a sua mesa possuísse la grandeza deuida a sua Real persona, a
infanta era regrada no acto de comer, como se de religiosa obseruantissima se tratasse.Teve ao seu serviço todo o
tipo de gente ligada à cozinha, como comprador, confeiteiro, copeiro,
cozinheiro, cozinheiro-mor e manteeiro, que certamente lhe disponibilizariam as
iguarias comuns às restantes figuras da casa real portuguesa de então. Um dos
manteeiros era de tal forma bem considerado, uma fonte di-lo mui destro nesta cousa de banquetes, que
em 1578 houve um incidente entre o sobrinho
António, prior do Crato, e Cristóvão de Távora, já que ambos o queriam
levar na expedição que se saldou pelo desastre de Alcácer Quibir.
Quanto aos traços da sua personalidade, sabe-se que D. Maria era uma
mulher de poucas palavras e decidida. O embaixador Sancho de Córdova, ao
relatar ao imperador Carlos V uma conversa decisiva entre João III e a irmã,
tida em fins de 1556 ou começos de 1557, considerou-a persona de grande entendimiento, y cordura, y muy reposada, y de pocas
palabras, y bien dichas, além de determinada. As suas palavras no son de muger moça, que mañana se puedan
esperar otras que las que oy tiene. O mesmo diplomata acrescentou depois
ser D. Maria tan libre en su voluntad y
determinacion. Mais tarde, Miguel Pacheco aludiu à sua serenidad, y sociego».
In Paulo Drumond Braga, D. Maria, 1521-1577, Uma Infanta no Portugal de
Quinhentos, Edições Colibri, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-689-244-9.
Cortesia de Colibri/JDACT