quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Hipóteses sobre Jesus. Prefácio de Lúcio L. Radice. Vittorio Messori. «Ou Deus existe, ou não existe. Em qual destas duas hipóteses queres apostar? Em nehuma. A resposta certa é não apostar. Enganas-te. Não é coisa facultativa, é necessário tomar partido. Também tu estás comprometido»

jdact

Prefácio
«Vittorio Messori escreveu este belo livro para comunicar aos outros a sua lúcida e apaixonada convicção de que a mais razoável entre as hipóteses sobre Jesus é que o Nazareno seja o Cristo, o Filho de Deus. E, quando o terminou, foi pedir uma nota introdutiva a uma pessoa que, como o autor sabia perfeitamente, honra em Jesus de Nazaré apenas um grande, um sumo filho do homem. Uma contradição? Não o diria. Falaria antes de um sinal dos tempos.
O facto que para Messori a única resposta cabal à interrogação Jesus seja a da fé, que para ele não sejam convincentes nem a resposta histórico-crítica da divinização do profeta galileu, nem a mítica da criação dum homem à imagem dum deus de salvação, este facto não implica uma contraposição como inimigos daqueles que creem no Homem-Deus ou de aqueles que admiram apenas o homem que pregou e foi crucificado há dois mil anos. A contraposição, parece-me, é outra.

NOTA: Lúcio Lombardo Radice, catedrático de matemática na universidade de Roma, foi membro do Comité Central do Partido Comunista Italiano. Prémio Viareggio de ensaístíca, foi autor juntamente com Mário Gozzini de O diálogo à prova (1965), de Socialismo e Liberdade (1968) e, com Roger Garaudy e e Milan Machovec, entre outros, de Marxistas perante Jesus. Foi um dos iniciadores e mais constantes fautores do diálogo entre marxismo e cristianismo.

A contraposição está entre as doutrinas que submetem o homem e as fés que o tornam livre e responsável. A contraposição está entre o Deus Pantocrátor dos filósofos (e dos poderosos!) e o Filho de Deus-filho do homem, que vive em más companhias, morre de vergonhosa morte de escravo, não tem outra força senão a Palavra. O Deus do cristianismo, vivido e sentido como o vivem hoje milhões e milhões de homens e mulheres, e entre eles o autor deste livro, é um Deus que precisa do homem. É um Deus ético, um Deus de justiça, não uma abstracta Mente ordenadora da natureza e da história. No seu encarnar-se num homem está concentrada a grande ideia (que na verdade revoluciona a história) do homem que constrói ele mesmo a sua salvação e a sua eternidade.
Que se trate duma encarnação divina realmente acontecida num tempo, num lugar, num homem, como pensa Messori; ou que se trate, como eu tenho para mim, duma formidável ideia-força que emana duma excepcional figura de homem aparecida numa longínqua província do grande Império antigo já contagiado pela dissolução, não faz diferença radical. (Não digo que não faça diferença: não faz antagonismo, inimizade, irredutibilidade). Uma ética profundamente secular, laica, condição para a salvação não é a ideologia, é antes o comportamento, a práxis. São palavras do cristão, do crente Vittorio Messori, que, todavia, atribui tanta importância à pergunta-aposta de Blaise Pascal que a coloca como inscrição na abertura do seu livro.
A ideia pascaliana da aposta, parece-me na verdade a mais justa, a mais adequada. É inútil, creio, afadigar-se ainda na busca de provas da existência de Deus ou afadigar-se para ver se se pode provar que Deus não exista. Teísmo e ateísmo têm, estou convencido, carácter postulatório: ou de aposta, para dizer como Pascal. Este livro, belíssimo, repito-o, inteligente e sincero de Vittorio Messori, parece-me em definitivo uma confirmação, um controle notavelmente rigoroso da tese da aposta, do postulado. Parece-me que seja bom reconhecê-lo honestamente de ambas as partes. Da que me diz respeito, a parte daqueles que apostam no Não, subscrevo plenamente uma afirmação, de grande honestidade intelectual, feita por Palmiro Togliatti num seu famoso discurso sobre o destino do homem, em Bérgamo, na primavera de 1963: que o princípio, iluminístico e positivístico, da desmistificação científica, histórico-crítica da fé cristã deve ser corajosamente abandonado.
Tomei a liberdade de modificar uma palavra na citação (sem aspas) de Togliatti. Falei de fé cristã, quando Togliatti diz religião. O facto é (afirmo-o há muitos anos, como Messori atentamente recorda) que o cristianismo, admitindo que seja uma religião (de religar) é certamente urna religião peculiar, diversa de todas as outras, para as quais a previsão duma possível próxima extinção, feita por Messori ao final da sua investigação, é assaz sugestiva e racional. O cristianismo, de facto, é a única religião, ou melhor fé, do mundo de hoje que tem na seu centro o homem. Eis a razão profunda, creio eu, do encontro histórico entre revolucionários de inspiração histórico-materialista e revolucionários de inspiração cristã. Uns e outros apostam no homem. Que depois se trate do homem entendido como valor absoluto (o homem-Deus) ou do homem histórico, relativo, que apenas pode tender ao absoluto, pode ser importante. Mas não decisivo». In Lúcio Lombardo Radice

In Vittorio Messori, Ipotesi su Gesú, Società Editrice Internazionale, 1976, Hipóteses sobre Jesus, Prefácio de Lúcio Lombardo Radice, Gráfica Maiadouro, Maia, 1980.

Cortesia de Maiadouro/JDACT