O Martírio do Infante Santo e a Expansão Portuguesa (Século XV)
«(…) Os dois cronistas mais importantes sobre o início da
expansão marítima são Gomes Zurara
e João Álvares. Álvares, de modo especial, é a principal fonte
sobre a vida e morte do Infante Santo.
A maior intersecção discursiva, entre esses cronistas, aborda
a motivação da expansão ultramarina portuguesa. Segundo eles, toda história dos
descobrimentos era explicada por duas noções básicas, o serviço a Deus e a expansão da fé católica. Expressões desse mesmo
campo semântico aparecem em todas as crónicas trabalhadas, com grande
recorrência. Ceuta, segundo Zurara,
fora conquistada para expandir a fé cristã e expulsar o inimigo muçulmano do
norte da África. O discurso é o mesmo em relação à expedição de Tânger, na
crónica do frei João Álvares. É interessante sublinhar que tanto Zurara
quanto frei João Álvares estavam escrevendo praticamente no mesmo
período, a década de 1450, sob
tutela do rei Afonso V e também do Infante Henrique, que tinham um
projecto bem definido sobre a África. Portanto, a temática dos descobrimentos
em ambos os autores está directamente ligada a uma sacralidade que visava
consolidar esse projecto de conquista do norte da África.
João Álvares e o Martírio do Infante Santo
Primeiramente é importante situarmos o contexto histórico a
que pertence o cronista para depois passarmos à análise específica da fonte. Frei
João Álvares é natural da vila de Torres Novas, foi moço da Câmara do
infante Fernando e depois seu secretário. O frei tomava parte nas cerimónias do
culto que se realizavam na capela do Infante ou na própria câmara. Acompanhou-o
na malfadada derrota de Tanger, sendo ao lado do infante, cativo dos mouros. O
Infante morreu em Fez em 5 de Julho de 1443 onde haviam sido transferidos os cativos de Tanger. João
Álvares foi testemunha de seu sofrimento e de seus últimos momentos de vida
na cidade de Fez.
O cronista foi resgatado em 1448, cinco anos, portanto após a morte de Fernando. Foi autor do Trautado
da Vida e Feitos do Muito Vertuoso Sor Iffante D. Fernando, mais
conhecido como Crónica do Infante Santo, que compôs entre 1451 e 1460. Tendo vivido na intimidade do Príncipe, frei
João Álvares dispunha de informes preciosos acerca de seu biografado.
Acompanhara-o na sua juventude e, sobretudo, viveu com o Infante Fernando nas
horas amargas do cativeiro, recebendo-lhe as últimas confidências.
Após alguns anos de seu retorno a Portugal foi convidado em 1451 para ingressar na Casa Henriquina
e, a pedido do Navegador e do rei
Afonso V (1448- 1481) redigiu o texto da crónica. Outra grande entusiasta
da memória relativa ao Infante Santo e a sua sacralização enquanto personagem
central e mártir de Fez foi a duquesa
Isabel de Borgonha sua irmã. Esta foi responsável pela difusão do culto
ao Infante Fernando e enquanto pôde trabalhou incansavelmente por sua
beatificação e futura canonização junto ao papa Paulo II. Promovia
diariamente o culto a seu irmão, inicialmente em sua capela e depois em
Guimarães e Lisboa. Segundo Cristina Sobral a duquesa D. Isabel de
Borgonha não só assume o papel de defensora da santidade do irmão, mas,
provavelmente, tornou-se a principal divulgadora de sua vida sacrifical e de
sua morte na Europa. Conforme Fontes (2000) a obra de João
Álvares deve ser vista como uma hagiografia, contendo todos os elementos
discursivos comuns a esta forma de narrativa. Deter-nos-emos aqui na edição de
frei Jerónimo Ramos, versão actualizada em 1730».
In Renata Sousa Nascimento, O
Martírio do Infante Santo e a Expansão Portuguesa, Século XV, Universidade
Federal de Goiás, Anais do XXVI Simpósio Nacional de História, ANPUH, São
Paulo, 2011.
Cortesia de ANPUH/JDACT